Mesa diretora do IHGT

15.10.12

Sete de outubro de 1860 – São José de Tiradentes: Fênix de ouro



Tiradentes originou-se em 1702, a partir de um arraial de bandeirantes estabelecido na estreita faixa de terra localizada entre o curso médio do Rio das Mortes e o paredão sul da majestosa Serra de São José. O povoado recebeu o nome de Arraial de Santo Antônio, também conhecido, após 1705, como Arraial Velho do Rio das Mortes. A descoberta do ouro trouxe rápido desenvolvimento ao lugar, justificando sua elevação à condição de vila a 19 de janeiro de 1718. Governava a Capitania unificada de Minas Gerais e São Paulo D. Pedro de Almeida e Portugal, o Conde de Assumar, que atendeu requerimento dos moradores do lado direito do Rio das Mortes e criou a segunda vila da Comarca do Rio das Mortes, nona de Minas Gerais. Chamou-a São José del-Rei, em homenagem ao príncipe português, futuro Rei D. José I. Era, contudo, também conhecida por São José do Rio das Mortes, ou, simplesmente, São José. 

Com vasto território, que chegou a fazer divisa com a Capitania de Goiás, e riquíssima economia,  a vila viveu o auge econômico durante a primeira metade do século XVIII, quando chegou, por vezes, a suplantar a próspera sede da Comarca do Rio das Mortes, São João del-Rei. O esgotamento de suas minas de ouro desencadeou um lento processo de decadência, com sucessivos desmembramentos territoriais e a migração de mineradores e escravos para o Vale do Paraíba, provocando o esvaziamento demográfico da vila. O ponto crítico da decadência ocorreu em 1848, com a perda da autonomia política e anexação do território a São João del-Rei. Um ano depois, em outubro de 1849, diante da mobilização de seus habitantes, a vila recobrou a independência e, a 7 de outubro de 1860, foi elevada à categoria de cidade, com a mesma denominação, pela Lei Provincial Nº 1092.

Em 1860 São José do Rio das Mortes encontrava-se em pleno ostracismo. Do esplendor vivido no século XVIII restavam apenas a riqueza barroca da Matriz de Santo Antônio, a  imponência do Chafariz de São José e os belos casarões e templos, alguns em ruínas. Possuía sete ruas calçadas, quatro praças e cerca de treze mil habitantes em todo o termo, estando três mil na sede. Tinha um eleitorado de trinta e seis pessoas e mantinha aula pública de latim e francês, além da instrução primária. A atividade econômica consistia na produção de tecidos de algodão, calçados, vinhos, queijos e cal, além da criação de gado em pequena escala e da prática da agricultura de subsistência. O município compunha-se com os distritos de Lagoa Dourada, Laje, Santa Rita do Rio Abaixo e São Tiago, dentre outras localidades que logo se desmembrariam. Com a elevação à categoria de cidade, a principal mudança sentida foi o aumento do número de vereadores, que de sete passariam para nove. À época, compunham a Câmara Municipal o Barão de Itaverava, Padre Joaquim Gonçalves Lara, Comendador Mathias Furtado de Mendonça, Major Francisco d’Assis Resende, Capitão João Antônio de Campos, Vicente Teixeira de Carvalho e Manoel Gonçalves d’Assis.  Na nova cidade o velho mato continuava crescendo nas ruas. A pátina do tempo estampada nos paredões centenários diziam de sua idade e abandono e as ruas desertas causavam uma melancolia que iria impressionar o poeta Olavo Bilac, no final do século XIX.

Em hibernação, a cidade de São José del-Rei atravessou o século XIX e boa parte do XX. Digno de nota nesse período apenas a inauguração da linha férrea, em 1881, e a agitação republicana, que culminaria com a mudança do nome da cidade para Tiradentes, em 1889, como uma  justa homenagem ao filho ilustre. Era o terceiro nome oficial dado ao lugar, mas, por algum tempo, povo e autoridades se referiam à cidade como São José de Tiradentes, numa bela conjugação entre o Santo e o Herói. Solução perfeita, reveladora de sentimento de pertencimento que, no entanto, não vingaria. Em 1890 foi criada a Comarca de Tiradentes, transferida no início do século XX para a cidade de Prados.
Em 1924 Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e outros vanguardistas da Semana de Arte Moderna, como novos bandeirantes, visitam Tiradentes e outras cidades de Minas, em busca “do nosso presente mais remoto”, como costumavam dizer. Da expedição modernista, além do sentimento de brasilidade, surgiria em 1936 o anteprojeto do SPHAN (atual IPHAN) e, consequentemente, o tombamento federal da cidade de Tiradentes em 1938, que garantiu, a partir de então, a preservação do conjunto arquitetônico setecentista.

A decadência econômica da cidade e a consequente diminuição populacional tiveram um efeito totalmente inesperado e bem vindo: a preservação. Impedida de se modernizar pela pobreza, São José manteve-se quase intacta, não tendo sofrido as descaracterizações de suas congêneres mais prósperas. Quase não sofreu  influência renovadora em seu conjunto urbanístico e foi assim revelada, como joia do passado, para exercer sua verdadeira vocação cultural, empreendida pela indústria do turismo, a partir dos anos de 1970. Vivemos, desde então o ressurgimento econômico e cultural da velha e sempre vila de São José de Tiradentes, renascida das cinzas, tal como a lendária Fênix.


Rogério Paiva 
Sócio efetivo do IHGT

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