Antônio Francisco
Lisboa, dito o Aleijadinho (1738-1814), passou grande parte de sua vida em Vila
Rica, onde nasceu e morreu, mas, em alguns períodos, viajou a outras vilas e
arraiais mineiros para executar obras ou apenas fazer louvações. Assim sendo,
trabalhou em Mariana, Sabará, Morro Grande, Congonhas, Fazenda da Jaguara e São
João del Rei.
O primeiro biógrafo do
artista, Rodrigo José Ferreira Bretas (1814-1866) cita em seu trabalho,
publicado no “Correio Oficial” de Minas, em 1858, que “O Aleijadinho exerceu
sua arte nas Capelas de São Francisco de Assis, de Nossa Senhora do Carmo e das
Almas, desta cidade [Ouro Preto] e Capela de São Francisco de Assis de São João
del Rei...” e ainda que “há quem afirme que é em Congonhas do Campo, e em São
João del Rei que se devem procurar as obras primas fazendo especial menção da
magnífica planta da Capela de São Francisco daquela cidade e do bem acabado da
escultura e talha do respectivo frontispício”. Portanto, desde meados do século
XIX já se tinha conhecimento de que Antônio Francisco Lisboa havia trabalhado
pelo menos na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de São João del Rei.
Embora toda a
documentação contábil da Ordem Terceira Franciscana tenha desaparecido,
resta-nos o livro de termos, ou seja, de atas da ordem, onde a certa altura
(1774) aparece o assunto do projeto para uma nova igreja, e diz que “foi visto
o risco que se tinha mandando fazer a Vila Rica”. Em 1785, quando se pensa em
“riscos” complementares aparece “o sobredito risco que serve de suplemento ao
de Antônio Martins”, o que foi rasurado para Antônio Francisco Lisboa. Esta ata
citada já deu muita discussão, porque originalmente o nome era Antônio Martins
e foi rasurada para Francisco Lisboa, com letra de época e, certamente, feita
por alguém presente a reunião. Posteriormente, se mandou encomendar ao mesmo
artífice o “risco” para o retábulo do altar-mor. Ambos os projetos foram
alterados na execução, o arquitetônico, por Francisco de Lima Cerqueira, mestre
de obra português, que iniciou a construção da capela; e o artístico, por Luiz
Pinheiro de Souza, entalhador responsável pela execução do retábulo.
Livro de receitas e despesas no qual consta o pagamento ao Mestre Aleijadinho. Documento, hoje, sob a responsabilidade da diocese. |
Mas o certo é que
Antônio Francisco deixou sua marca inconfundível não só na traça da igreja, mas
no projeto dos retábulos colatareais, em imagens de santos, principalmente, na
magnífica portada de pedra sabão que rivaliza com a sua congênere de Vila Rica.
Do projeto
original para São Francisco, localizado na década de 1940, no Rio de Janeiro,
pouco se aproveitou, pois Lima Cerqueira arredondou as torres quadrangulares,
eliminou os corpos laterais, arredondou a nave, além de outros detalhes. Mas lá
no projeto está o esboço da bela portada e a escultura da empena. As torres do
projeto foram, possivelmente, reutilizadas no projeto de 1809/10 para a Matriz
de Santo Antônio da Antiga Vila de São José, hoje Tiradentes.
Na bela igreja
rococó de São João del Rei, vamos encontrar os traços do Aleijadinho na portada
executada lá pela década de 1780, onde os serafins sobre quartelões, as armas
da ordem e imagem da Virgem Maria, assim como rocalhas, acantos e flores que
saíram das mãos do Mestre, secundado por ajudantes que executaram trabalhos
menores, como cabeças de anjos de pouco destaque.
Os dois
retábulos colaterais que se não saíam de suas mãos, apresenta inconfundível
afinidade com seu estilo, quando não seja pelas colunas entortadas no terço
inferior, como em São Francisco de Ouro Preto. Antônio Francisco foi o único
artista colonial a usar esse recurso. Os anjos e querubins, quando não seja de
sua lavra, são ajudantes muito próximos, seja pelo modelado vigoroso dos
corpos, seja pelos olhos amendoados e repuxados, seja pela mecha em rocalha
sobre a fronte. No altar de São Pedro de Alcântara, a excelente talha da porta
do falso sacrário pode-se-lhe ser atribuída, com pouca sombra de dúvida. Nos
esquecemos de citar a emocionante aparição da face do Divino Salvador, no
intradorso da chave da verga da portada, sereno e ao mesmo tempo trágico a
olhar os fieis que adentram no templo. Esta é, sem dúvida, uma das mais
emocionantes mais faces de Cristo criadas em pedra sabão, na segunda metade do
setecentos.
Ainda se pode
ver algum traço magistral do coroamento do retábulo-mor executado por Luiz
Pinheiro, especificamente na figura majestática de Cristo em esplendor. Lê-se,
ainda, a chama de seu gênio na escultura da empena, por ele projetada, na
execução tardia de Aniceto de Souza Lopes. Ainda para o Terceiros Franciscanos
executou a pequena e forte imagem do evangelista São João, pronta antes do seu
nicho, pois ele foi criado para ela com seu símbolo iconográfico: a águia. Outras imagens,
por nós identificadas ultimamente (O Aleijadinho e sua oficina, 2002), como o
Santo Antônio e São Gonçalo do Amarante que só de perto só de perto revela a
força criadora do Mestre.
No tempo em que
trabalhava na Capela de São Francisco, o Aleijadinho faz pequenas esculturas
inacabadas, protótipos de santos franciscanos, encontrados no mercado de São
João del Rei, em 1957, por Jair Afonso Inácio. Duas delas fazem parte do acervo
do Museu Regional do IBRAM e outras duas foram para coleção particular. Nas
diminutas esculturas inacabadas vê-se a centelha criadora do mestre.
Para a Matriz de
Nossa Senhora do Pilar executou apenas uma cabeça de Cristo da Prisão, antes
relegada as velhas tribunas da igreja é hoje colocado no trono, durante os
ofícios de trevas. Desta escultura, apenas a cabeça faz jus a obra do Mestre,
pois o corpo canhestramente executado não tem destreza ou maestria. Atualmente,
a peça se encontra exposta no Museu de Arte Sacra.
Resta-nos,
agora, citar a graciosa portada rococó da Igreja da Ordem Terceira do Carmo,
parcialmente executada pelo Mestre. Parece que executada a parte central, com
as armas da ordem, dois querubins, o medalhão da Virgem e comovente Pai Eterno,
ficou muito tempo desmontado e só foi instalada no século XIX. Para isso,
encomendou-se três cabeças de querubins sorridentes e outros detalhes a outro
artista, ainda não identificado. Para se ver com olhar crítico esta escultural
monumental, é preciso abstrair a parte inferior e centrar a vista na Virgem e,
depois, divagar pelo Pai Eterno e pelos dois querubins com escapulários. O Pai
Eterno lembra o profeta Naum de Congonhas.
Após sua
passagem luminosa por São João del Rei, na década de 1780, ele ainda executa o
grandioso retábulo da Capela de São Francisco de Ouro Preto e o conjunto de
Passos e profetas de Congonhas.
Já no fim da
vida, acerta a encomenda do projeto de uma nova fachada para a Matriz de São
José del Rei. Isto se dá em 1809, quando a velha fachada já estava em parte
desmontada. Cansado e alquebrado pela doença, volta ao antigo projeto de 1774,
para a igreja franciscana de São João del Rei. O “risco” teve que se adaptar a
largura e altura definida da velha igreja. Usou ele a mesma solução das torres
quadradas, projetadas para São João del Rei e não executadas, com seus relógios
e o frontão recortado, com fogaréus à moda italiana.
A portada já não
mais saiu da mão do Mestre, mas de outro artista rococó, Salvador de Oliveira.
Mas pode-se ver no perfil delicadamente rococó das torres, com seus cunhais de
chanfro, na elegante curvatura do frontão, nas rocalhas se espraiando sobre a
parede, a marca do estilo aleijadiano, embora a execução em massa, em lugar de
pedra, tenha diminuído o impacto desta decoração. Para além das conjecturas, o
documento, junto com o de Sabará, são as duas únicas referências que o nomeia
pelo apelido famoso de “Aleijadinho”.
Se a Matriz de
São João Batista do Morro Grande teria sido sua primeira traça arquitetônica,
ainda contida, a Matriz de Santo Antônio da Vila de São José terá sido sua
última manifestação em termos de intervenção arquitetônica, curiosamente, ambas
reduzidas ao frontispício, como se a confirmar os versos de Carlos Drummond de
Andrade:
“Não entrarei,
senhor, no templo, Seu frontispício me basta”
Texto de Olinto Rodrigues dos Santos Filho
Fotografias de David I. Nascimento
Boa Tarde,
ResponderExcluirEm primeiro lugar parabens pelo blog. Está muito bem feito, com assuntos interessantes e otimos textos.
Ao verificar postagens mais antigas do blog, descobri que houve uma reediçao da exposiçao "Um seculo de Fotografia em Tiradentes - 1881 - 1981". Vi tambem uma imagem do poster original que serviu de divulgacao para o evento. Minha pergunta é se seria possível obter uma cópia do poster, seja em papel ou eletronica. A imagem disponível no website é muito pequena e nao permite uma ampliaçao com nitidez. Agradeceria muito se pudesse obter uma copia do poster.
Um abraço,
Luiz