Mesa diretora do IHGT

2.12.21

O Culto a Imaculada Conceição em Tiradentes

 

Texto de Olinto R. Santos




Vem de longa data o culto a Nossa Senhora da Conceição, o que quer dizer que Maria, a mãe de Jesus, foi concebida sem o pecado original e que toda a sua vida passou sem pecar. Ainda no século IV, os padres e teólogos já propunham a Imaculada Conceição de Maria, tema este que que vai ser discutido na igreja ao longo dos séculos.

No século VII já se celebrava a festa da Imaculada Conceição em 8 de dezembro, mas só foi oficializada no Calendário Litúrgico em 28 de fevereiro de 1477, pelo Papa Sisto IV.


Thesouro do Christão, Rio de Janeiro, Ed. Garnier, 1858 (?)

Por volta de 1497 a Universidade de Paris, seguida pelas portuguesas de Coimbra e de Évora, decretou que ninguém poderia ser admitido em seu seio se não defendesse a Imaculada Conceição de Maria. No século XIII vários papas trataram do tema, inclusive proibindo a discussão sobre a Imaculada Conceição. Ainda no século XV, na Itália, foi composto o Ofício de Nossa Senhora da Conceição, cujo texto foi aprovado pelo Papa Inocêncio XI, em 1678.




Pondo fim às discussões teológicas, o Papa Pio IX institui o dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima pela bula papal “Ineffabilis Deus” de 8 de dezembro de 1854. O Culto fica do mesmo jeito, com a festa celebrada na mesma data.

O Reino de Portugal nasceu sob a proteção da Imaculada Conceição. Em 1147, o primeiro rei, D. Alfonso Henriques, manda celebrar uma missa solene à Imaculada Conceição por ter conquistado Lisboa aos Mouros. Após a Batalha de Aljubarrota, em 1385, vencida contra os Castellanos, o Condestável Nuno Alves Pereira manda erguer o Santuário de Nossa Senhora da Conceição no Castelo de Vila Viçosa, quando manda vir da Inglaterra uma imagem da Virgem.

imagem antes da restauração 


imagem depois da restauração
   

Em 1640, após a restauração da independência portuguesa, ou o conhecido período da união das coroas (Espanha e Portugal), o rei D. João IV, fundador da dinastia de Bragança, institui a Imaculada Conceição “rainha e padroeira de Portugal”, em 25 de março de 1646. Esta provisão foi confirmada pelo Papa Clemente X, em 1671. O rei então faz coroar a imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e depositou sua espada sobre o altar, sendo que dessa data em diante os reis de Portugal não eram mais coroados, a coroa ficava em uma almofada vermelha ao seu lado direito, porque a verdadeira rainha era a Virgem Maria.

D. João V fez muitas gestões junto a Santa Sé, inclusive com o ouro de Minas, para que o Papa instituísse o dogma da Imaculada Conceição, tendo recomendado a todo o reino a celebração solene da festa em 8 de dezembro.




O Brasil nasceu, portanto, sob a égide da Imaculada Conceição. No mesmo ano em que D. João V ordenava a obrigatoriedade da festa da Imaculada em 1717, no Porto de Itaguaçu, em Guaratinguetá (hoje Aparecida do Norte) era encontrada uma imagem da Imaculada Conceição que viria a ser a padroeira do Brasil.

Com a criação do Império do Brasil, o nosso padroeiro, instituído pelo papa, passou a ser São Pedro de Alcântara, onomástico dos dois imperadores (D. Pedro I e D. Pedro II) destronando assim a Imaculada Conceição.

Com o advento da República e o grande culto a Nossa Senhora da Conceição Aparecida, ela foi coroada pontificiamente em 1904 e, depois, em 1930, o papa Pio XI institui Nossa Senhora da Conceição Aparecida “rainha e padroeira do Brasil”, voltando à situação anterior, do período colonial.

Em Minas Gerais, a Imaculada Conceição foi muito querida e cultuada, sendo que, até hoje, em alguns lugares, como a capital Belo Horizonte, ainda mantém o feriado religioso.

A primeira paróquia da Vila do Carmo, hoje Mariana, foi dedicada à Imaculada Conceição, cuja matriz, em 1745, recebeu a cátedra do primeiro bispo de Minas, quando a invocação foi mudada para Nossa Senhora da Assunção.

Em Vila Rica, hoje Ouro Preto, a paróquia de Antônio Dias foi dedicada à Imaculada Conceição desde os primórdios do século XIII, assim como a Vila de Sabará a ela é dedicada. Atualmente, cerca de 250 paróquias em Minas estão sob a invocação da Virgem da Conceição. Não há cidade mineira, igreja ou capela que não possua, pelo menos, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição.



É o caso, por exemplo, da antiga Vila de São José del Rei, hoje cidade de Tiradentes, que em cuja matriz já foi construído um altar em seu louvor. Sua imagem também estava na capela do Bom Jesus da Pobreza, do Santo Antônio do Canjica, na Santíssima Trindade e na Igreja de São João Evangelista. Ainda esteve sob a jurisdição da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes a Capela de Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão das Pitangueiras e da Estação de Prados. Aliás, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Prados pertenceu à vila de São José e cidade de Tiradentes 1718 a 1890, quando foi criado o município. A capela de nossa senhora da Conceição da Colônia do Marçal, hoje paróquia, foi instituída em 1930 pelo Vigário de Tiradentes, padre José Bernardino de Siqueira.


  
Capelas de Nossa Senhora da Conceição na Estação de Prados no Ribeirão das Pitangueiras,
imagens da internet                             

O culto à Imaculada Conceição na vila de São José é bastante antigo e era celebrado como havia de Dom João V para todas às vilas e cidades em 1717.

No século XVIII existiu uma irmandade de Nossa Senhora da Conceição dos Estudantes sediada no altar da Imaculada da igreja matriz. Esta irmandade foi criada por volta de 1757 pelo primeiro bispo de Mariana, D. Frei Manoel da Cruz, e nunca foi oficializada ou teve seu compromisso ou estatuto aprovados. A irmandade não deixou sequer um livro de anotações, por se tratar de irmandade de “devoção”, cujos irmãos não pagavam anuais e não tinham direito à sepultura ou sufrágios após a morte. O único documento que nos restou dessa irmandade é uma petição conservada no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa que transcrevemos na íntegra:


 

“Dizem que o juiz e mais offs da meza da Irmandade de N. Senhora da Conceição dos Estudantes que a perto de trinta anos que foi erecta a mesma na Matriz de S. Antônio da Vª de S. Jozé, coma do Rio das Mortes, Bispado de Marª, com licença do Exmo e Rmo bispo qe então era D. Frei Manoel da Cruz; e porqe os sups. nunca poderão fazer o seo compromisso por haver mtas deste genero na mesma Matriz, e a terra decadente; recorrem a Piede de V Mage para qe se digne conceder o seo Real beneplacito na referida Ereção; e conservação da mesma Irme como até o preze tão some pa poderem os Supes festejar a Soberana Rainha dos Anjos e Protetora dos nosso fidelíssimo Reino.


P a V Mage  o seo Real Beneplacito
E R Mce


A petição tem pedido de vistas do Provedor da Fazenda Real, datado de 29 de outubro de 1787 com várias rubricas, “haja vistas aos provedor da coroa” em 3 de novembro de 1787 com quatro rubricas e finalmente a anotação de “Real justitia pa se conceder aos Supes a faculde que pedem”. Ou seja, a rainha concede que a irmandade possa continuar a funcionar sem o compromisso, só para cultuar a virgem.



base do andor de N. S. das Mercês, possivelmente
aproveitado do trono do altar de N. S. da Conceição


O retábulo (e altar) dedicado a Imaculada Conceição da Matriz de S. Antônio é sem dúvida o mais antigo da igreja, com seu coroamento em arquivolta, com colunas espiraladas e presença de decoração vegetalista em acantos, parreiras com frutos e muitos anjos. Serviu de altar para o Santíssimo Sacramento em 1727, quando o primeiro altar-mor estava em obras. Para lá se transferiu a âmbula com as hóstias consagradas e serviu de altar de celebrações da igreja. Na segunda metade do século XVIII foram acrescidas duas peanhas de talha dourada, onde foram introduzidas as imagens de São João Batista e de São João Nepomuceno. Ainda em fins do setecentos, o trono original do início do século foi substituído por três degraus de estilo rococó, com pintura em tons verdes-azulados, com rocalhas douradas, mas se manteve o sacrário original. Parece que o antigo trono foi reutilizado para a confecção do andor de Nossa Senhora das Mercês, já no século XX, a julgar-se pela morfologia do anjo. O teto e laterais do camarim apresentam pintura floral sob fundo vermelho e no centro a pomba do Divino Espírito Santo, hoje quase perdida.




A imagem de Nossa Senhora da Conceição, obra do século XVIII, foi reformada em 1923, tendo sua policromia original sido lavada e feita nova pintura em tons claros, com azul e rosa, marmorizados claros, carnação muito rosada, possivelmente feita na famosa casa “Sucena” no Rio de Janeiro. Recentemente, os restauradores Gilson Felipe Ribeiro (tragicamente falecido) e seu sobrinho Cristiano Felipe Ribeiro procederam a uma restauração da peça que estava muito danificada pelo uso constante em corações no trono da matriz.


Encontramos algumas pequenas citações referentes a festa no século XVIII. Em 1771, a Irmandade do Santíssimo Sacramento recebeu “da Confraria da Sra. da Conceição” de expor o Santíssimo Sacramento no trono durante a Festa da Imaculada Conceição. No ano seguinte, a Irmandade do Santíssimo Sacramento recebe 16$800 (dezesseis mil e oitocentos réis) “de cera para a festa da Sra da Conceição”.

Ainda em 1772, o senhor Joaquim Thomás paga 24$000 réis pela Confraria de N. Sra. da Conceição “que se obrigou” para exposição do Santíssimo no trono.

Em 1773 a mesma irmandade do Santíssimo Sacramento recebe “200 (arrobas) e 28 Las (libras) e ½ de sera (sic) pa a exposição do Santíssimo na festivide de N. Senhora da Conceição e do Terço...”

A festa da Imaculada Conceição consta de novena, missa solene e procissão. Possivelmente a novena era feita no seu próprio altar e a missa solene no altar-mor, assim como o Te Deum, quando o Santíssimo Sacramento era exposto no lugar do Santo Antônio no trono. Para isso, a irmandade, dona do altar-mor, cobrava uma taxa e ainda vendia a cera. As velas para a iluminação do Santíssimo e da igreja era uma das maiores despesas que as irmandades tinham, porque o sermão e o Te Deum eram à noite e o templo precisava de luz. Só no altar-mor e trono eram acesas a banqueta de seis castiçais e 16 castiçais nas peanhas do trono, como se fazia até os anos 1960.

Com a decadência e a extinção da irmandade ou confraria de Nossa Senhora da Conceição, a festa passou a ser realizada pela própria administração da paróquia. Nos últimos anos com apenas tríduo e, já a partir dos anos 1970, foi totalmente extinta a festa. Houve algumas cerimônias improvisadas em uma praça do bairro do Pacu ou na Capela de S. Geraldo da Várzea de Baixo. Esse seria o terceiro ano que reavivamos a tradição da Festa à Imaculada da Conceição, com tríduo solenizado pela Orquestra Ramalho, procissão, missa solene e Te Deum Laudamus. Durante o tríduo é executada  a bela antífona “Tota pulchra es Maria”, do compositor João Francisco da Mata ( ? – 1909). Contamos com o apoio incondicional do padre Alisson André Sacramento e do Maestro Willer Silveira, com a participação dos músicos da Orquestra e Banda Ramalho. Nos anos de pandemia do Covid 19, a cerimônia foi só interna e este ano a procissão também será no interior da igreja Matriz.

É preciso lembrar ainda que em 8 de dezembro de 1954, foi feita uma grande festa para comemorar o centenário da instituição do dogma da Imaculada, em 1854. Atesta o fato a foto do andor da virgem decorado com bandeirinhas do Brasil e de Minas Gerais. As últimas festas, na época do Padre Lourival de Salvo Rios, foram promovidos por Regina Conceição (1909 - ?) e Agostinho Ferreira (1900-1980), respectivamente zeladora e sacristão da Matriz. Me lembro de ter ajudado a ornamentar o andor com lírios e copos de leite brancos e uma bandeira da “Pia União de Maria” hasteada em um “bambu”. Claro que foi exigência da Regina Conceição, que seu sobrinho Eros Conceição teve que se virar para por a bandeira hasteada.

Não se pode ainda esquecer que até o tempo presente, após os batizados, as crianças são levadas ao altar de Nossa Senhora da Conceição para serem consagradas a ela. Até os anos 1950, era também comum a realização de casamentos no altar da virgem. No século XX, a ornamentação e cuidado com altar de Nossa Senhora da Conceição sempre esteve a cargo da Legião Mariana, das Filhas de Maria e, depois de extintas essas irmandades, sempre foi cuidado por Regina Conceição e Tunica, sua sobrinha.

No século XIX, o padre Antônio Xavier de Salles Matos, que ficou na paróquia de 1799 a 1834, quando veio a falecer, deixou para a Nossa Senhora da Conceição seus estribos, arreatas e outros pertences de prata para se fundir uma banqueta de quatro castiçais para o altar da virgem.




Em 1852 o juiz de direito da comarca manda que o juiz municipal de São José del Rei proceda ao inventário de todas as capelas do termo da vila, a que deu o título de “Capelas e Tombos”. No inventário da igreja Matriz de Santo Antônio, consta ainda os bens da “confraria de Nossa Senhora da Conceição”, anexados à Irmandade do Santíssimo Sacramento: “uma lâmpada de prata com o pezo de vinte e nove libras, assim mais huma vara que serve nas procissões com o pezo de noventa oitavas, assim mais huma bacia de pedir esmolas com o pezo de noventa e três oitavas, assim mais huma coroa de Nossa Senhora com pezo de oitenta oitavas, assim mais hum resplendor e bandeira de São João Baptista com o pezo de oitenta e quatro oitavas”... segue-se os tecidos e, logo depois, “assim mais huma banqueta com seis castiçais dourados e cruz, assim mais huma dita com quatro ditos prateados e cruz, assim mais seis castiçais de estanho grandes, assim mais hum tapete novo, assim mais huma cômoda com ferragem no consistório do terço, assim mais sete opas de seda e duas com murças... duas serpentinas de casquinha, assim mais quatro ramos de malacacheta, assim mais desoito flores ditas para velas, assim mais quatro ciprestes de altar, assim mais quartorze jarras de pao douradas para os ramos... assim mais três imagens de Nossa Senhora, São João Batista e São João Nepomuceno...”

Por este inventário, notamos que não foram feitos os castiçais de prata com os objetos deixados pelo Padre Salles Matos em 1843, dezoito anos antes. Além disso, que a confraria de Nossa Senhora da Conceição certamente usava o consistório de Nossa Senhora do Terço, onde estava uma cômoda, que por sinal consta ter sido vendida.



É ainda curioso notar uma banqueta prateada, que não mais existe; os suportes de palma, que usamos para segurar as toalhas, ditos “jarras de madeira dourada”; além de tantas flores artificiais de malacacheta, como as palmas que estão no Museu da Liturgia; os ciprestes, que deveriam ser só ramos verdes; e as curiosas 18 flores “para velas”. Seriam essas flores os aparadores de cera das velas?


No nosso folclore ainda invocamos Nossa Senhora da Conceição para que não chova: “Senhora da Conceição, faça sol e chuva não” ou se chover no dia da Festa de Nossa Senhora, 8 de dezembro, choverá certamente no Natal. Nos últimos anos, tenho dado minha humilde contribuição para a revitalização da festa de Nossa querida Imaculada Conceição, que nos proteja. Amém!

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