Texto de Olinto R. Santos
Vem de longa data o culto a Nossa Senhora da Conceição, o que quer dizer que Maria, a mãe de Jesus, foi concebida sem o pecado original e que toda a sua vida passou sem pecar. Ainda no século IV, os padres e teólogos já propunham a Imaculada Conceição de Maria, tema este que que vai ser discutido na igreja ao longo dos séculos.
No século VII já se celebrava a festa da Imaculada Conceição
em 8 de dezembro, mas só foi oficializada no Calendário Litúrgico em 28 de
fevereiro de 1477, pelo Papa Sisto IV.
Thesouro do Christão, Rio de Janeiro, Ed. Garnier, 1858 (?) |
Por volta de 1497 a Universidade de Paris, seguida pelas portuguesas de Coimbra e de Évora, decretou que ninguém poderia ser admitido em seu seio se não defendesse a Imaculada Conceição de Maria. No século XIII vários papas trataram do tema, inclusive proibindo a discussão sobre a Imaculada Conceição. Ainda no século XV, na Itália, foi composto o Ofício de Nossa Senhora da Conceição, cujo texto foi aprovado pelo Papa Inocêncio XI, em 1678.
Pondo fim às discussões teológicas, o Papa Pio IX institui o dogma da Imaculada Conceição de Maria Santíssima pela bula papal “Ineffabilis Deus” de 8 de dezembro de 1854. O Culto fica do mesmo jeito, com a festa celebrada na mesma data.
O Reino de Portugal nasceu sob a proteção da Imaculada
Conceição. Em 1147, o primeiro rei, D. Alfonso Henriques, manda celebrar uma
missa solene à Imaculada Conceição por ter conquistado Lisboa aos Mouros. Após
a Batalha de Aljubarrota, em 1385, vencida contra os Castellanos, o Condestável
Nuno Alves Pereira manda erguer o Santuário de Nossa Senhora da Conceição no
Castelo de Vila Viçosa, quando manda vir da Inglaterra uma imagem da Virgem.
imagem antes da restauração |
Em 1640, após a restauração da independência portuguesa, ou o conhecido período da união das coroas (Espanha e Portugal), o rei D. João IV, fundador da dinastia de Bragança, institui a Imaculada Conceição “rainha e padroeira de Portugal”, em 25 de março de 1646. Esta provisão foi confirmada pelo Papa Clemente X, em 1671. O rei então faz coroar a imagem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e depositou sua espada sobre o altar, sendo que dessa data em diante os reis de Portugal não eram mais coroados, a coroa ficava em uma almofada vermelha ao seu lado direito, porque a verdadeira rainha era a Virgem Maria.
D. João V fez muitas gestões junto a Santa Sé, inclusive com
o ouro de Minas, para que o Papa instituísse o dogma da Imaculada Conceição,
tendo recomendado a todo o reino a celebração solene da festa em 8 de dezembro.
O Brasil nasceu, portanto, sob a égide da Imaculada
Conceição. No mesmo ano em que D. João V ordenava a obrigatoriedade da festa da
Imaculada em 1717, no Porto de Itaguaçu, em Guaratinguetá (hoje Aparecida do
Norte) era encontrada uma imagem da Imaculada Conceição que viria a ser a
padroeira do Brasil.
Com a criação do Império do Brasil, o nosso padroeiro,
instituído pelo papa, passou a ser São Pedro de Alcântara, onomástico dos dois imperadores
(D. Pedro I e D. Pedro II) destronando assim a Imaculada Conceição.
Com o advento da República e o grande culto a Nossa Senhora
da Conceição Aparecida, ela foi coroada pontificiamente em 1904 e, depois, em
1930, o papa Pio XI institui Nossa Senhora da Conceição Aparecida “rainha e padroeira
do Brasil”, voltando à situação anterior, do período colonial.
Em Minas Gerais, a Imaculada Conceição foi muito querida e
cultuada, sendo que, até hoje, em alguns lugares, como a capital Belo
Horizonte, ainda mantém o feriado religioso.
A primeira paróquia da Vila do Carmo, hoje Mariana, foi
dedicada à Imaculada Conceição, cuja matriz, em 1745, recebeu a cátedra do
primeiro bispo de Minas, quando a invocação foi mudada para Nossa Senhora da
Assunção.
Em Vila Rica, hoje Ouro Preto, a paróquia de Antônio Dias
foi dedicada à Imaculada Conceição desde os primórdios do século XIII, assim
como a Vila de Sabará a ela é dedicada. Atualmente, cerca de 250 paróquias em
Minas estão sob a invocação da Virgem da Conceição. Não há cidade mineira,
igreja ou capela que não possua, pelo menos, uma imagem de Nossa Senhora da
Conceição.
É o caso, por exemplo, da antiga Vila de São José del Rei,
hoje cidade de Tiradentes, que em cuja matriz já foi construído um altar em seu
louvor. Sua imagem também estava na capela do Bom Jesus da Pobreza, do Santo
Antônio do Canjica, na Santíssima Trindade e na Igreja de São João Evangelista.
Ainda esteve sob a jurisdição da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes a
Capela de Nossa Senhora da Conceição do Ribeirão das Pitangueiras e da Estação
de Prados. Aliás, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Prados pertenceu à
vila de São José e cidade de Tiradentes 1718 a 1890, quando foi criado o
município. A capela de nossa senhora da Conceição da Colônia do Marçal, hoje
paróquia, foi instituída em 1930 pelo Vigário de Tiradentes, padre José
Bernardino de Siqueira.
O culto à Imaculada Conceição na vila de São José é bastante
antigo e era celebrado como havia de Dom João V para todas às vilas e cidades
em 1717.
No século XVIII existiu uma irmandade de Nossa Senhora da
Conceição dos Estudantes sediada no altar da Imaculada da igreja matriz. Esta
irmandade foi criada por volta de 1757 pelo primeiro bispo de Mariana, D. Frei
Manoel da Cruz, e nunca foi oficializada ou teve seu compromisso ou estatuto
aprovados. A irmandade não deixou sequer um livro de anotações, por se tratar
de irmandade de “devoção”, cujos irmãos não pagavam anuais e não tinham direito
à sepultura ou sufrágios após a morte. O único documento que nos restou dessa
irmandade é uma petição conservada no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa que
transcrevemos na íntegra:
“Dizem que o juiz e mais offs da meza da Irmandade de N. Senhora da Conceição dos Estudantes que a perto de trinta anos que foi erecta a mesma na Matriz de S. Antônio da Vª de S. Jozé, coma do Rio das Mortes, Bispado de Marª, com licença do Exmo e Rmo bispo qe então era D. Frei Manoel da Cruz; e porqe os sups. nunca poderão fazer o seo compromisso por haver mtas deste genero na mesma Matriz, e a terra decadente; recorrem a Piede de V Mage para qe se digne conceder o seo Real beneplacito na referida Ereção; e conservação da mesma Irme como até o preze tão some pa poderem os Supes festejar a Soberana Rainha dos Anjos e Protetora dos nosso fidelíssimo Reino.
base do andor de N. S. das Mercês, possivelmente aproveitado do trono do altar de N. S. da Conceição |
Encontramos algumas pequenas citações referentes a festa no
século XVIII. Em 1771, a Irmandade do Santíssimo Sacramento recebeu “da
Confraria da Sra. da Conceição” de expor o Santíssimo Sacramento no trono
durante a Festa da Imaculada Conceição. No ano seguinte, a Irmandade do
Santíssimo Sacramento recebe 16$800 (dezesseis mil e oitocentos réis) “de cera
para a festa da Sra da Conceição”.
Ainda em 1772, o senhor Joaquim Thomás paga 24$000 réis pela
Confraria de N. Sra. da Conceição “que se obrigou” para exposição do Santíssimo
no trono.
Em 1773 a mesma irmandade do Santíssimo Sacramento recebe “200
(arrobas) e 28 Las (libras) e ½ de sera (sic) pa a
exposição do Santíssimo na festivide de N. Senhora da Conceição e do
Terço...”
A festa da Imaculada Conceição consta de novena, missa
solene e procissão. Possivelmente a novena era feita no seu próprio altar e a
missa solene no altar-mor, assim como o Te
Deum, quando o Santíssimo Sacramento era exposto no lugar do Santo Antônio
no trono. Para isso, a irmandade, dona do altar-mor, cobrava uma taxa e ainda
vendia a cera. As velas para a iluminação do Santíssimo e da igreja era uma das
maiores despesas que as irmandades tinham, porque o sermão e o Te Deum eram à noite e o templo
precisava de luz. Só no altar-mor e trono eram acesas a banqueta de seis
castiçais e 16 castiçais nas peanhas do trono, como se fazia até os anos 1960.
Com a decadência e a extinção da irmandade ou confraria de Nossa Senhora da Conceição, a festa passou a ser realizada pela própria administração da paróquia. Nos últimos anos com apenas tríduo e, já a partir dos anos 1970, foi totalmente extinta a festa. Houve algumas cerimônias improvisadas em uma praça do bairro do Pacu ou na Capela de S. Geraldo da Várzea de Baixo. Esse seria o terceiro ano que reavivamos a tradição da Festa à Imaculada da Conceição, com tríduo solenizado pela Orquestra Ramalho, procissão, missa solene e Te Deum Laudamus. Durante o tríduo é executada a bela antífona “Tota pulchra es Maria”, do compositor João Francisco da Mata ( ? – 1909). Contamos com o apoio incondicional do padre Alisson André Sacramento e do Maestro Willer Silveira, com a participação dos músicos da Orquestra e Banda Ramalho. Nos anos de pandemia do Covid 19, a cerimônia foi só interna e este ano a procissão também será no interior da igreja Matriz.
É preciso lembrar ainda que em 8 de dezembro de 1954, foi
feita uma grande festa para comemorar o centenário da instituição do dogma da
Imaculada, em 1854. Atesta o fato a foto do andor da virgem decorado com
bandeirinhas do Brasil e de Minas Gerais. As últimas festas, na época do Padre
Lourival de Salvo Rios, foram promovidos por Regina Conceição (1909 - ?) e
Agostinho Ferreira (1900-1980), respectivamente zeladora e sacristão da Matriz.
Me lembro de ter ajudado a ornamentar o andor com lírios e copos de leite
brancos e uma bandeira da “Pia União de Maria” hasteada em um “bambu”. Claro
que foi exigência da Regina Conceição, que seu sobrinho Eros Conceição teve que
se virar para por a bandeira hasteada.
Não se pode ainda esquecer que até o tempo presente, após os
batizados, as crianças são levadas ao altar de Nossa Senhora da Conceição para
serem consagradas a ela. Até os anos 1950, era também comum a realização de casamentos
no altar da virgem. No século XX, a ornamentação e cuidado com altar de Nossa
Senhora da Conceição sempre esteve a cargo da Legião Mariana, das Filhas de
Maria e, depois de extintas essas irmandades, sempre foi cuidado por Regina
Conceição e Tunica, sua sobrinha.
No século XIX, o padre Antônio Xavier de Salles Matos, que
ficou na paróquia de 1799 a 1834, quando veio a falecer, deixou para a Nossa
Senhora da Conceição seus estribos, arreatas e outros pertences de prata para
se fundir uma banqueta de quatro castiçais para o altar da virgem.
Em 1852 o juiz de direito da comarca manda que o juiz
municipal de São José del Rei proceda ao inventário de todas as capelas do
termo da vila, a que deu o título de “Capelas e Tombos”. No inventário da
igreja Matriz de Santo Antônio, consta ainda os bens da “confraria de Nossa
Senhora da Conceição”, anexados à Irmandade do Santíssimo Sacramento: “uma
lâmpada de prata com o pezo de vinte e nove libras, assim mais huma vara que
serve nas procissões com o pezo de noventa oitavas, assim mais huma bacia de
pedir esmolas com o pezo de noventa e três oitavas, assim mais huma coroa de
Nossa Senhora com pezo de oitenta oitavas, assim mais hum resplendor e bandeira
de São João Baptista com o pezo de oitenta e quatro oitavas”... segue-se os
tecidos e, logo depois, “assim mais huma banqueta com seis castiçais dourados e
cruz, assim mais huma dita com quatro ditos prateados e cruz, assim mais seis
castiçais de estanho grandes, assim mais hum tapete novo, assim mais huma
cômoda com ferragem no consistório do terço, assim mais sete opas de seda e
duas com murças... duas serpentinas de casquinha, assim mais quatro ramos de
malacacheta, assim mais desoito flores ditas para velas, assim mais quatro ciprestes
de altar, assim mais quartorze jarras de pao douradas para os ramos... assim
mais três imagens de Nossa Senhora, São João Batista e São João Nepomuceno...”
Por este inventário, notamos que não foram feitos os
castiçais de prata com os objetos deixados pelo Padre Salles Matos em 1843,
dezoito anos antes. Além disso, que a confraria de Nossa Senhora da Conceição
certamente usava o consistório de Nossa Senhora do Terço, onde estava uma
cômoda, que por sinal consta ter sido vendida.
É ainda curioso notar uma banqueta prateada, que não mais
existe; os suportes de palma, que usamos para segurar as toalhas, ditos “jarras
de madeira dourada”; além de tantas flores artificiais de malacacheta, como as
palmas que estão no Museu da Liturgia; os ciprestes, que deveriam ser só ramos verdes;
e as curiosas 18 flores “para velas”. Seriam essas flores os aparadores de cera
das velas?
No nosso folclore ainda invocamos Nossa Senhora da Conceição para que não chova: “Senhora da Conceição, faça sol e chuva não” ou se chover no dia da Festa de Nossa Senhora, 8 de dezembro, choverá certamente no Natal. Nos últimos anos, tenho dado minha humilde contribuição para a revitalização da festa de Nossa querida Imaculada Conceição, que nos proteja. Amém!
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