Mesa diretora do IHGT

19.11.12

Dia da Liberdade: um novo esquartejamento do herói?



Nascido em 1746, na Fazenda do Pombal, então território da Vila de São José Del-Rei, Joaquim José da Silva Xavier, foi batizado a 12 de novembro do mesmo ano, em capela pertencente à Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, de São João Del-Rei, conforme registro eclesiástico:

Aos doze dias do mês de novembro de mil setecentos e quarenta e seis anos, na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, o Reverendo Padre João Gonçalves Chaves, capelão da dita Capela, batizou e pôs os Santos Óleos a Joaquim, filho legítimo de Domingos da Silva dos Santos e de Antônia da Encarnação Xavier; foi padrinho Sebastião Ferreira Leytão e não teve madrinha; do que fiz este assento. O Coadjutor Jeronymo da Fonseca Alvarez”.

Em 1788, já Alferes da Tropa Paga da Capitania de Minas Gerais,  Joaquim José envolveu-se na Conjuração Mineira, sendo preso em 1789. Ficou confinado e incomunicável por mais de três anos na fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Em 1792 a sentença do tribunal de alçada condenou à morte na forca os dez principais envolvidos na conspiração. A duvidosa clemência da Rainha de Portugal, D. Maria I, comutou a pena de todos a degredo perpétuo ou por dez anos. Dos condenados, o único que não mereceu o perdão real foi o Alferes Tiradentes. Foi enforcado, no dia 21 de abril, no Rio de Janeiro. Para maior terror da população e para servir de exemplo aos que ousassem sonhar com a liberdade, seu corpo foi esquartejado em cinco partes e distribuído pelo caminho do Rio de Janeiro a Ouro Preto, ficando uma parte exposta em cada localidade onde ele pregara ideais revolucionários. A cabeça do Mártir ficou exposta em alto poste na atual Praça Tiradentes, em Ouro Preto, “até que o tempo a consumisse”. O tempo a consumiu, e passaram-se cem anos de pesado silêncio em torno do nome do Alferes. 

Na campanha republicana e em especial no ano de 1889 ressurge a figura do Tiradentes: cabelos longos e barba crescida, resgatado como protomártir da independência e como símbolo maior do regime que então se instalava. Monumentos foram erguidos por toda parte em sua homenagem. Sua famosa alcunha foi dada como denominação à sua terra natal. Em 1950, a Lei 1.266 declara feriado nacional o dia 21 de abril, data da execução do Patrono Cívico da Nação e Patrono das polícias militares estaduais.

Corre o tempo novamente até que, em 2011, a Lei 19.439, do Estado de Minas Gerais, cria o Dia da Liberdade, a ser comemorado no dia em que se deu o batizado do menino Joaquim José. Esta Lei diz no Art.2º Parágrafo único, que “os eventos terão como referência Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e serão realizados na região onde nasceu e viveu o Mártir da Inconfidência, em especial no Município de São João del-Rei”. 

Ato contínuo, foi instituída a Comenda da Liberdade e Cidadania, pelo Decreto Conjunto nº 001/2011 dos municípios de Ritápolis, São João Del-Rei e Tiradentes,  para condecorar cidadãos de destaque da sociedade.

Surge, então, a questão: onde comemorar o Dia da Liberdade? Na Fazenda do Pombal, certamente. Quem organizará a festa, já que a posse histórica do local é alvo de polêmica  centenária e ainda não resolvida? A solução, apesar de bem intencionada, revelou-se pouco original: esquartejaram novamente o Tiradentes. Ou seja, a comemoração se dará a cada ano a cargo de uma das três localidades. Não podendo pertencer pacificamente a uma única cidade, o Alferes foi distribuído, generosamente, entre as três. 

Se a data a comemorar será o batizado, o foco dos discursos, certamente, será o suplício do Herói. Estará montado mais uma vez o cadafalso? Como no passado, também ao som de bandas de música, na presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas, a ocasião será para discursos inflamados. Personalidades a oferecerem suas lapelas para a honrosa condecoração. Faltará, todavia, a voz “atroada” do Mártir interrompida para sempre no final do século XVIII entre uma ou outra palavra de uma piedosa oração. Falarão por ele os condecorados... Todos eles saberão, de fato, quem foi o Alferes? Lamentável será para a memória do Herói máximo da nação brasileira se a homenagem vier a tornar-se instrumento de barganha política, de agrado aos “amigos” ou de exibicionismo narcisístico revestido de oratória vazia. 

Depois da tentativa frustrada de entidades sanjoanenses em obterem, nos tribunais, um registro civil tardio (e sanjoanense) para o Tiradentes, a criação do Dia da Liberdade e a instituição da Comenda da Liberdade e Cidadania sugerem um  interessante “acordo de cavalheiros” entre as três municipalidades. O aparente consenso resultou, porém, em associação curiosa, com ares de déjà vu. A história se repetiu? Cumpriu-se mais uma vez parte da sentença imposta por D. Maria I? Materializou-se o temor do historiador Yves Ferreira Alves, que escreveu, há exatos 20 anos o artigo “Pelo amor de Deus, não esquartejem o Tiradentes outra vez”?

O próprio Tiradentes disse que “armaria uma teia que nem em cem anos se desfaria”, e de fato conseguiu.


Rogério Paiva – Sócio do IHGT 
(Comunicação em reunião do IHGT no dia 18 de novembro de 2012)

Nenhum comentário:

Postar um comentário