Olinto Rodrigues dos Santos Filho
As Vilas do período colonial brasileiro desde sua origem tinham como ruas os antigos caminhos lamacentos durante o período chuvoso ou poeirento no período da seca, pois eram em sua maioria em terra batida pelo próprio transito de pedestres e animais. Prova disso são nomes que ainda sobreviveram até os dias atuais, como Diamantina que se chamou Arraial do Tejuco, que quer dizer lama ou o barro, antiga rua do Tejuco em São João Del Rei, que não passava de um caminho lamacento ou ainda rua do Barro Velho, hoje conhecida como Rua do Barro, atualmente denominada Coronel Tamarindo, na mesma São João Del Rei.
É a partir de meados do século XVIII, após 1760 até os fins do século XVIII que o senado das Câmaras das vilas mineiras começam a se preocupar em pavimentar as ruas principais do núcleo urbano. Todas elas vão ter o mesmo tipo de calçamento em pedras miúdas e arredondadas conhecidas como cabeça de negro ou pé-de-moleque, pela semelhança que tem com o doce de amendoim do mesmo nome.
Normalmente as calçadas, obras públicas que como as outras eram postas em hasta pública, ditas "postas em praça" e arrematadas por mestres pedreiros. Vez por outra Câmara reforçava a equipe dos pedreiros com mão de obra dos presos nas cadeias das vilas, trabalhando sob vigilância e as vezes com ferros nos pés. Foi também comum o arrematante da obra "alugar" escravos de ganho, de terceiros, para ajudar nas obras. As pedras vinham de pedreiras próximas as vilas e muitas vezes do fundo de rios, pois eram mais lisas e uniformes. Os desenhos dos calçamentos tinham uma espinha central que funcionava como canaleta de escoamento da água pluvial ao centro, pois ambos os lados se inclinava para o meio, assim protegendo as paredes das casas de umidade. Ainda resta deste sistema o calçamento da cidade de Paraty, RJ, um dos poucos originais. Por vezes a calçada formava desenhos com diagonais em espinha, como era no antigo Serro e Diamantina conforme fotografias da década de 1930.
Quase todos os calçamentos se perderam nas nossas cidades coloniais mineiras. Ouro Preto, como capital da província e depois do estado teve a maior parte substituída por paralelepípedos, no final do século XIX, numa tentativa de modernizar a cidade, para não perder o status de capital. Alguns poucos pedaços do antigo calçamento restaram a volta do museu da inconfidência, em alguns becos, principalmente no que desce da praça Tiradentes para o Largo de Coimbra, onde esta a igreja de São Francisco de Assis. O mesmo aconteceu com São João del Rei, onde o progresso fez com que no fim do século XIX, toda a cidade fosse calçada com paralelepípedo, em moda na Europa, principalmente Paris e nas grandes cidades brasileiras, com o Rio de Janeiro. Da mesma maneira Mariana substituiu seu calçamento por paralelepípedo, deixando original algumas ruas transversais, ainda existentes, o mesmo caso deu-se com Sabará, já no século XX.
O Serro perdeu seu calçamento original já em meados do século XX, assim como Diamantina, que teve o original substituído por grandes lajes assentadas sobre base de concreto.
Uma das curiosidades em relação ao calçamento de Ouro Preto e Diamantina foi a instalação de uma faixa de pedras largas e regulares no centro da rua de calçamento de pé de moleque, para dar mais comodidade aos transeuntes, isso por volta de 1877 -1878. Como esse serviço foi feito na época em que era presidente da província o Conselheiro João Capistrano Bandeira de Melo, o povo batizou a passarela de "Capistrana".
Calçamento de Tiradentes:
A antiga Vila de Vila de São José do Rio das Mortes, como as outras vilas coloniais do ciclo do ouro era desprovida de calçamento até meados ou terceiro quartel do século XVIII. Pouco ou quase nada se sabe sobre a execução do antigo calçamento em pé de moleque que cobria as rua da Câmara, Jogo de Bola, Direita, do Chafariz, do Sol, Rua das Forras, além do Largo do Ó, parte fronteira do Chafariz (ainda existente) parte do Largo do Sol e junto e sobre a Ponte de Pedra ( ainda existente).
Há nos fragmentos de documentos setecentistas do antigo Senado da Câmara, mandados de pagamentos ao Pedreiro Bento Gonçalves Franco por execução de calçamento nas ruas da Vila, na década de 1780. É evidente que a calçada de dentro do pátio do Chafariz e talvez a área frontal tenha sido feita na época de sua construção em 1749 e o calçamento sobre a Ponte das Forras e seus acessos, por volta de 1800, quando esta ficou pronta. O calçamento da rua das Forras terminava na esquina do atual prédio da prefeitura, não continuando no Largo da Rua das Forras, como se dizia na época. Há ainda na documentação da Câmara muitos pagamentos por consertos dos calçamentos e capina dos mesmos o que no final do século XIX, era feito apenas duas ou três vezes por ano.
Com o passar do tempo o calçamento na sua parte central foi sendo encoberto por terra e areia para nivelar a rua, ficando com aparência de não mais existir as pedras centrais. Fotografia de 1948 da rua do Chafariz mostra as perdas de pedras e a desagregação do calçamento.
Quando assumiu a prefeitura em 1959, o Sr. Francisco Barbosa Júnior diz ter encontrado o antigo calçamento "desajustado e de quase impraticável transito, até mesmo para pedestre"(1). Assim procurou o Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ,Rodrigo Mello Franco de Andrade e o chefe do 3º Dr. Sylvio Vasconcellos para a resolução do problema. Segundo informação a mim prestada pelo Sr. Francisco Barbosa Júnior, o modelo do calçamento que ele propôs era o que havia sido feito em Diamantina, com grandes lajes, tendo então o Dr. Sylvio Vasconcellos aconselhado a assentar as pedras sem cimento, ao contrario do que se fez em Diamantina. O trabalho foi então executado por operários da prefeitura, utilizando-se de ferramentas manuais e duas ou três carroças puxadas a burros, conforme documentado em fotografia.
Segundo o mesmo Barbosa "tivemos em alguns meses operários daquele serviço" (SPHAN) auxiliando o nosso trabalho pelas ruas da cidade (2).
Todo aquele material foi retirado de uma pedreira no alto da Serra de São José, no município de Prados, próximo a Pinheiro Chagas, hoje fechada pelos órgãos ambientais do estado. Para acessar a pedreira foi aberta uma estrada para caminhões no lugar de uma antiga trilha, hoje transformada em estrada parque (IEF) na APA Serra de São José.
As pedras são quartzito em tons claros e as vezes avermelhados, de corte irregular com marcas de ondulações de água entre as placas denunciando serem rochas muito antigas.
As ruas calçadas entre 1959 e 1963 foram "Rua Padre Toledo, Bias Fortes (atual Jogo de Bola), Rua Herculano Veloso (Câmara) Getúlio Vargas (Direita) Resende Costa, Praça Benedito Valadares (Largo do Sol) o que correspondia ao antigo calçamento de pé de moleque, com exceção do trecho do largo das Forras entre a prefeitura e a ponte de pedra, que era sem pavimentação. Acompanhou o trabalho como encarregado de obras o Sr. Heitor Silva, então fiscal da prefeitura e o pedreiro Antônio Carlos Ferreira.
No segundo mandato de Francisco Barbosa Júnior, entre 1968 e 1971 foi contemplado o calçamento iniciando no adro da igreja matriz até a praça da igreja da Santíssima Trindade, que não tinha pavimentação e o outro lado da praça Benedito Valadares (Largo das Forras) mais próximo ao Ribeiro Santo Antônio.
Já na administração de Luiz José da Fonseca (1972/1976) foram feitos alguns trechos de calçamento em poliédrico e reforma do trecho do largo do Ó, antigo Comendador Assis. Na administração seguinte de Josafá Pereira Filho (1977/1982) foram feitos calçamentos poliédricos na rua da Cadeia, Gabriel Passos e reforma de parte da Rua do Chafariz e pavimentação da Rua São Francisco de Paula e Nicolau Panzera.
Na época da construção do terminal rodoviário, no antigo terreno de secagem de areia de Joaquim Ramalho foi feito a pavimentação desta área ligando a Ministro Gabriel Passos e a da prainha (Rua Custódio Gomes), na administração de Mauro Barbosa, em 1986/1987.
Finalmente com a execução dos projetos de Roberto Burle Marx para as praças e adros das igrejas de Tiradentes, foi executado um calçamento em lajes de quartzito no Largo do Sol em 1981 e 1982, quando foi retirada a calçada de pé de moleque que levava a igreja de São João Evangelista e reassentando na lateral da igreja de Nossa Senhora do Rosário, em 1983.
Em 1985 foi executado o calçamento do largo das Mercês e parte da Rua Henrique Diniz, com lajes iguais as das outras ruas, em local que não havia pavimentação. Posteriormente forma feitos os passeios com a mesma pedra de Prados. No ultimo mandato de Nílzio Barbosa foi substituído o asfalto de trecho da Rua dos Inconfidentes, entre a Capela do Bom Jesus e a ponte Arthur Napoleão e da Rua Henrique Diniz, por paralelepípedos.
Notas- 1e 2 - "Município de Tiradentes - Minas Gerais- Administração municipal do Prefeito Francisco Barbosa Junior - 1959 - 1963. pág. 03.
Tiradentes 1718-1968, BH, Gráfica Belo Horizonte Ltda., 1968 - pag, S/nº.
Fotos - coleção Imagens / IPHAN, Brasília 2010.
Tiradentes, Diamantina, Serro, São João Del Rei.
Internet
Acervo IHG Tiradentes
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Texto feito para o projeto de restauração do calçamento do centro histórico de Tiradentes- março/2013
Gostei muite do trabalho sobre o calçamento das Ruas de Tiradentes. Esse tipo de pavimentação de ruas está sendo esquecida pelo povo brasileiro. È uma pavimentação que pode-se dizer ecologicamente correta, pois, permite a infiltração das aguas pluviais por entre os blocos de pedras, o que não ocorre com o asfaltamento, e assim, evita a descida rapida da agua para a calha do rio que causa as enchentes. Parabens pelo trabalho. zerenato .`.
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