19 de janeiro de 1718: data da criação da Vila de São José, hoje Tiradentes.
Podemos afirmar isso com total segurança, porque temos um documento que comprova o fato. É a certidão de nascimento de nossa cidade, ou seja, o “auto de criação da Vila de São José com seu termo”. Nele lemos que, numa petição ao governador geral da Capitania diziam “os moradores da freguesia de Santo Antônio do Arraial Velho que lhes se acham com grande prejuízo e impedimento para tratarem os seus negócios na Vila de São João del Rei por estarem da outra parte do Rio das Mortes, cujas passagens são muito arriscadas e perigosas, principalmente no tempo das águas, em que as suas enchentes impossibilitam a recorrer a Vila de São João del Rei e fica todo este povo sem aquele recurso para as partes, além de ter experimentado que muitas pessoas, que neste tempo se arriscaram a passar, se afogaram, por não haver canoas em que, com segurança, passassem e perdem não só seu negócios particulares senão também do bem público. E como esta freguesia é uma das maiores das Minas e está mais distante da vila com muita largueza, matos para suas roças, como também lavras e faisqueiras permanentes. Aí tem os moradores as suas casas, quase todas cobertas de telhas por estarem as olarias perto da freguesia e para que melhor se possa [ter] o serviço de sua Majestade assim na arrecadação dos seus quintos [...]".
Esperamos da reta justiça de Vossa Excelência que, informado por pessoas desapaixonadas seja servido dar-nos o despacho que esperamos. Portanto, pedem humildemente a Vossa Excelência que, atendo ao referido e para evitar algumas desuniões entre estes moradores e pela utilidade do serviço de El rei lhes faça mercê mandar erigir a dita freguesia em Vila e receberão mercê.”
A esse pedido foi dado o seguinte despacho: “Vistas as razões alegadas pelos suplicantes e as informações que delas tirei, concedo [o que me pedem] para que o dito arraial de Santo Antônio seja erigido em Vila, com o nome de São José e o doutor Ouvidor Geral da Comarca do Rio das Mortes ou quem em seu lugar servir lhe levantará Pelourinho e dará posse na forma do estilo, começando o distrito da nova Vila da banda de cá do Rio das Mortes. Vila do Carmo, dezenove de janeiro de mil setecentos e dezoito anos.
Esse documento era parte do livro mais antigo do arquivo cuidadosamente mantido pela Câmara da Vila de S. José. O livro, o primeiro de Acórdão da Câmara foi encontrado há alguns anos atrás no Arquivo Público Mineiro, sem as duas folhas iniciais que já haviam sido localizadas em Cataguases. Esse extravio do livro mostrou-se providencial para a história da cidade. Se não tivesse sido retirado do arquivo local, possivelmente teria tido o mesmo destino de grande parte do acervo ai conservado: teria sido destruído. A perda da maioria dos documentos mais antigas de Tiradentes aconteceu, acredita-se, nos anos trinta do século passado. A notícia que nós chegou, passada por testemunhas para outras pessoas através dos anos é que esses “papéis velhos” teriam sido queimadas quando, com a instalação da prefeitura recém-criada, resolveu-se limpar a casa. Infelizmente não há nenhum registro que comprove o acontecido.
O que se sabe, ao certo, porque nesse caso há prova documental comprobatória, é que, no final do século XIX, existiam no arquivo 170 livros, sendo 42 do século XVIII. A prova da existência desses papeis está em uma lista elaborada, entre 1897 e 1900, por Herculano Veloso, então agente executivo e presidente da Câmara. Essa lista traz os livros divididos no que ele chamou de 12 “maços”. Os livros estão listados sem nenhuma ordem cronológica ou de tipos de documentos. No último maço há “diversos livros e cadernos faltando folhas, tanto no início como no fim”. A falta de ordem parece indicar que os arquivos não estavam organizados. Como Herculano Veloso utiliza e cita informações contidas nessas documento sem seu livro “Ligeiras memórias sobre a Vila de São José nos tempos coloniais”, tudo levei a crer que ele ou uma outra pessoa reorganizou o arquivo de alguma maneira. Destaque-se aqui o fato de o 1º livro de acórdões já não ter sido citado nas listas de Herculano Veloso, provando que a sua retirada do arquivo da Câmara fora feita anteriormente.
De todo esse acervo, chegaram até nós apenas fragmentos dos livros do século XVIII, o mais antigo datado de 1767 e muitos papeis avulsos (petições e mandatos de pagamento) que não tinham sido listados por Herculano Veloso. Do século XIX sobreviveram alguns livros (lançamento de impostas, Registros de cartas e ofícios, Diários de Receita e Despesa da Câmara, Atas de Eleições, entre outros) e muitos fragmentos e papeis avulsos.
Acredito que, diante do exposto, alguns estão se perguntando: se grande parte do acervo do século XVIII e XIX foi destruída, vale a pena manter um arquivo em Tiradentes? A resposta é: claro que sim. Além do que nós restou dos antigos papeis, alguns com informações preciosas, destaque para os livros de pagamentos da décima – o mais antigo de 1814 – há ainda a documentação do século XX que não foi organizada e descrita e que vai pouco a pouco, sendo destruída pelo tempo e pela incúria dos homens. Documentos que escaparam, mais ou menos incólumes da andança dos arquivos e o descuído a que foram submetidos e estão aí para serem organizados, catalogados e estudados. A documentação que restou do século XVIII e XIX foi microfilmada e digitalizada graças a um projeto do Centro de Estudos Mineiros da UFMG e do Arquivo Público Mineiro. A história de Tiradentes do século XX também merece ser conhecida e divulgada. Ela está, em parte, contida nesses papeis, mais uma vez desprezados por quem deveria zelar por eles, e destinados a um futuro incerto.
O Arquivo Municipal de Tiradentes existe no papel, foi criado por lei em 2005, mas não fora até agora incluído no organograma da administração municipal. Fui informada que consta do novo organograma a ser aprovado pela Câmara na próxima semana. Além disso nunca houve um funcionário qualificado designado para organizar, descrever e cuidar dos documentos.
Para os que, empolgados com o futuro, ou mergulhados nas atividades do tempo presente dão ao passado e à História uma importância menor, lembraria as palavras de Cícero: A História é a testemunha dos tempos, ela ilumina a realidade, revitaliza a memória, fornece diretrizes para o dia a dia e nós traz as notícias dos tempos passados.
Sócia Lucy Gonçalves Fontes Hargreaves
19 de janeiro de 2013
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