Quando eventualmente falamos sobre
política, tendemos ao erro de acreditar que política é algo feito por políticos
e por seus partidos. A noção devida deste termo, e que agora tento apresentar,
remete à relação que temos com os seres e objetos. Assim como Aristóteles
julgou em sua época quando disse “o homem é um animal político” (ao dizer que
ele estava inserido em uma pólis[1]),
é possível compreendê-lo, o homem, como um ser que está inserido em variados
espaços de atuações que o fazem, por conseguinte, estar, também, em constante
relação com outros homens.
Se tratamos a política por sua condição
relacional, que une os seres humanos, podemos pensar tais relações focadas em
contextos específicos. Isso é, em espaços específicos. Apresentados esses
pontos, podemos observar no IHGT a constituição de um espaço político no qual
refletimos questões voltadas à história, arte, cultura e à preservação. A
importância de pensar a história dentro de contextos políticos, isto é, pelas
relações que são construídas entre seres humanos, nos faz buscar pelos valores de
nossas ações (valores esses gravados pela história – já que cada grupo pode ter
uma versão de um acontecimento histórico). A figura de Tiradentes, por exemplo,
vai além de um revoltoso detentor de determinados ideais (que alguns poderiam
classificar como ideais elitistas). Tiradentes passou a ser, em momentos
diferentes e pelas relações diferentes nas quais sua figura é exaltada, pessoa
que viria promover ideais nacionalistas, republicanos, libertadores, democratizantes,
redemocratizantes, etc. Essas possibilidades de leituras demonstram algumas variações
na compreensão do espaço de atuação de grupos e indivíduos.
Podemos iniciar essa discussão acerca do
espaço questionando isso que comumente chamamos de preservação. Preservamos,
por exemplo, memórias; cultura material ou imaterial; preservamos relações, etc.
Preservar, contudo, não significa, ou não deve significar, cegueira histórica.
Quando, em nossas pesquisas, tratamos da história, a tomamos pela necessidade
de elaboração do passado. Elaborar o passado é tratar daquilo que passou e que
nos mantém presos às causas unilaterais, como se colocássemos “uma pedra sobre
o assunto”. Elaborar o passado é estar em constante
reflexão sobre a história sem deixar que ela se fundamente como um passado
distante e contado por um único ponto de vista.
Mantemos com a história não apenas uma
relação estética, contemplativa: julgando-a pelo movimento cultural e artístico
que levou, por exemplo, a construção de monumentos como o Chafariz São José, igrejas,
casarões. Também não mantemos apenas o sentido utilitarista para com estas
obras. Primeiro, porquê os julgamentos sobre arte e sobre estilos de arte são
mutáveis pela constante dialética de nossos juízos. Segundo, e diante dos
avanços tecnológicos, por não pensar essas obras pelo que supre de nossas
necessidades: as mulheres não mais lavam roupas nos chafariz, nem os cavalos
bebem de seu tanque, nem necessitamos daquela obra para fornecer água para toda
a cidade. Sendo assim, é necessário nos afastar de questões do tipo “para que
serve isto?”. Em lugar dessa questão, talvez, devêssemos nos aproximar de
outras como, por exemplo, “qual a relação temos, ou tenho, com certas obras e
porquê devemos preservá-la?”.
Pessoalmente, acredito ser nesse ponto reside
a importância desta instituição que hoje, dia 19 de janeiro de 2012, completa
35 anos. O Instituo Histórico e Geográfico de Tiradentes, pela atuação de seus
membros, constitui um espaço de discussões específicas[2] sobre
igrejas, monumentos, casarões... Neste espaço, tratamos das relações entre os
sócios e aquilo que está fora do IHGT.
Para compreender isso, é necessário
aceitar que os seres humanos constroem, com os objetos e seres, relações passíveis
de serem resignificadas, transformadas, valorizadas, transvalorizadas (que
seja). Cada um poderá, por si, responder sobre os motivos para preservar.
Alguns desses motivos, por serem pessoais, podem ser classificados como mesquinhos:
posso querer preservar a matriz porquê lá fui batizado, porquê meus avós foram enterrados
lá, meus pais se casaram e etc. Claro, devemos levar em consideração que não
existe uma visão unilateral quanto ao motivo. Importam menos as respostas que o
fato de termos as respostas. O motivo de termos as respostas é o que será comum
para nós. Ou seja, quando podemos responder, mesmo que intimamente, “por quê
preservar este monumento?”, estamos a dizer que temos certas relações com esta
obra (relações estas que poderão ser modificadas). Não será uma única resposta
que faz uma obra digna de preservação.
Durante certo tempo e em certas
conversas, alguns sócios do IHGT demonstraram preocupação sobre esta
instituição ser classificada como elitista, como uma casa fechada na qual os
lordes ou homens bons são aceitos e podem frequentar. Quanto a isso, devemos compreender
que o IHGT não tem, nem deve ter, posicionamento fechado quanto a nada que está
fora dele. Ou seja, podemos tratar das igrejas e casarões, mas sem desejar que
nossos julgamentos sejam os únicos. Legitimamos, por isso, a existência de outras
instituições presentes aqui, em Tiradentes. Ao fazermos isso, legitimamos nosso
próprio espaço de discussões: O IHGT e seus membros são constituídos (I) pela
política cultural - que marca a preocupação desta instituição, (II) pelas
discussões sobre a necessidade de preservar, (III) sobre pesquisas históricas, etc.
A existência de instituições com
diferentes perfis permite que o instituto possa se dedicar ao que lhe é caro. Quanto
às outras instituições, cabem a elas fazer os debates sobre os assuntos que
lhes causam preocupações. Quanto aos sócios do IHGT, notamos sua unidade ao observar
suas atuações nas temáticas sobre as quais se debruça esta instituição. Isso permite
conhecer os interesses e atuações de seus membros desde sua fundação, em 1977,
diante do movimento histórico. Não podemos ser julgados como homens bons ou
lordes se nossa preocupação não é política partidária, nem advém da necessidade
de conclamarmos grandes levas de turistas - expondo a cidade em uma vitrine
midiática -, buscando lucrar com os “nossos” estabelecimentos e “patrimônios”.
Em suma, por termos interesses diferentes.
Para finalizar, ao IHGT não interessa
quantidade de membros, mas a qualidade de seus interesses que, é verdade, só
terá uma coerência interna (já que não é devido obrigar ninguém – o externo – a
pensar como nós: sobre cultura, arte, história, etc.). Não podemos ser
classificados como lordes, pois aceitamos outras instituições com preocupações
diferentes das nossas. Temos uma identidade institucional. Por fim, é o
respeito com as preocupações e relações desta instituição, desde o início
elencadas por seus fundadores (mesmo que em perspectivas diferentes), que constrói
e mantém a coerência que hoje coroa o seu trigésimo quinto aniversário.
David I. Nascimento - Sócio do IHGT
(Comunicação apresentada em sessão solene, em 19 de janeiro de 2012)
[1] Cidades estados encontradas na Grécia Antiga. É devido dizer que as relações
políticas neste contexto eram construídas por homens livres (o que excluía mulheres,
crianças e escravos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário