1.5.10

Inconfidência e heroísmo: Tiradentes em ação

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Em setembro de 1788, quando no Rio de Janeiro Joaquim José da Silva Xavier encontrou-se com José Álvares Maciel, teve início a Inconfidência Mineira. Álvares Maciel, recém chegado da Europa, onde se formara em Ciências Naturais, contava ao alferes suas experiências. A Europa era agitada pelos conceitos do Iluminismo. As teorias filosóficas se punham em prática. Voltaire defendera o pensamento livre enquanto Rousseau divulgara a idéia do Estado democrático. A razão deveria prevalecer sobre o teocentrismo e iluminar as trevas medievais que ainda encobriam aquela sociedade. As idéias liberais propunham uma modificação radical na estrutura política do Velho Mundo. Monarquias seriam contestadas e, na França, um rei perderia em breve o trono e a cabeça. Os revolucionários e o povo já estavam nas ruas, o momento era propício para o grito de liberdade, igualdade, fraternidade, o lema da Revolução francesa.

Álvares Maciel ressaltou também o exemplo dos norte americanos, que romperam os laços com sua metrópole e instituíram a República ainda em 1776. Na França, em 1786, Thomas Jefferson, então ministro americano e futuro presidente dos Estados Unidos, autor da Declaração da Independência Americana, fora procurado pelo estudante brasileiro José Joaquim da Maia, que buscava apoio dos americanos a um projeto de revolução no Brasil, com o objetivo de obter a independência. Aos europeus, parecia inacreditável que o Brasil ainda se mantivesse submisso a Portugal.

Tudo isto Álvares Maciel contou ao Alferes Tiradentes, que, por sua vez, como profundo conhecedor da realidade degradante imposta aos brasileiros pela Coroa portuguesa, relatou a Maciel toda a situação vivida principalmente em Minas, a galinha dos ovos de ouro que estava sendo asfixiada pela ambição sem limites da Fazenda Real.

Durante o século XVIII, Minas Gerais proporcionou a Portugal cerca de trinta e seis mil arrobas de ouro e mais de trezentas e trinta mil oitavas de diamantes, quase tudo esbanjado na corte luxuosa de D. João V, o novo Rei sol, ou desviado para Inglaterra para o financiamento da Revolução Industrial. Todavia, o solo começara a dar sinais de exaustão, e já não era possível aos mineiros suportarem a exorbitante carga de impostos praticados pela metrópole. Apenas o quinto do ouro, há muito atrasado, acumulava-se em torno de seiscentas arrobas de ouro, e esta dívida estava prestes a ser cobrada, os mineiros pagariam à força, de uma só vez, e de forma indiscriminada, fossem mineradores ou não. Por outro lado, os brasileiros eram preteridos pelos reinóis e por eles humilhados. Ao país era proibido possuir fábricas, indústrias, estradas e escolas, constituindo-se verdadeiro estado de atraso cultural e econômico, em solo tão rico e belo. Relatava emocionado o Alferes.

Daquela conversa saiu a decisão de fazer a revolução. Ambos puseram-se a caminho de Minas. Pelos pousos e fazendas iam semeando a revolta. Falaram a José Ayres Gomes, a Manoel Rodrigues da Costa e, chegando a Vila Rica seduziram ninguém menos que o Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, cunhado de Maciel e comandante da força militar de Minas. O segundo homem mais poderoso da capitania tornara-se inconfidente. Em seguida outros militares, os poetas, os religiosos, os fazendeiros e todos os outros idealistas se agruparam.

A propaganda indiscriminada do Tiradentes atingiu pessoas das mais diversas classes e posições sociais. A coragem do Tiradentes chegava a assustar e causava a admiração de seus próprios companheiros: Seria um herói ou um louco? Muitos aderiram logo, outros, temerosos ou oportunistas, ficaram esperando os resultados, outros ainda, os traidores, trataram de guardar a informação, para usá-la na hora certa. E assim, no curto espaço de seis meses já estava tudo decidido: as leis da nova república, homens, armas e pólvora a serem empregados e quem os forneceria, as providências para a defesa da república novata, as primeiras medidas administrativas, as leis e até a bandeira.

A data da rebelião ficaria condicionada à execução da dívida dos quintos, denominada Derrama, que estava prevista para o início de 1789. No momento certo os combatentes seriam avisados através da senha: Tal dia é o batizado. Tiradentes prenderia o Governador Visconde de Barbacena, Freire de Andrade garantiria a submissão dos Dragões. Seria espetacular o dia da libertação da pátria. O Brasil já não precisava de Portugal e seus déspotas.

Em fevereiro de 1789 todo o projeto dos inconfidentes começou a desmoronar. Tiveram a infeliz idéia de convidar o coronel Joaquim Silvério dos Reis para a causa. Português, e devedor de uma grande quantia aos cofres reais, Silvério viu na traição da conjuração um bom negócio e a 15 de março de 1789 formalizou sua denúncia ao governador de Minas, e logo depois o fez também ao Vice Rei, Luiz de Vasconcelos. Tiradentes foi preso e encarcerado no dia 10 de maio. Em Minas outras prisões e sequestro de bens se sucederam. Delatores, num total de nove, se apresentaram. Dois processos foram abertos, um em Minas e outro no Rio de Janeiro. Cerca de trinta réus foram indiciados. Chefes de família foram arrancados de casa, famílias inteiras foram condenadas à miséria absoluta antes mesmo da condenação. A simples acusação do crime de Crime de Lesa Majestade era grave o suficiente para condenar antes de julgar. Todo o rigor das Ordenações Filipinas seria aplicado nas punições. A excessiva demonstração de força denunciava, na verdade, o medo da monarquia portuguesa diante dos heróis que ousavam enfrenta-la.

No patíbulo, no dia 21 de abril de 1792, Tiradentes pagou com a vida por sua coragem e heroísmo, foi esquartejado e distribuído pelo Caminho Novo, tal qual semente de liberdade lançada no solo de Minas. Outros heróis pagaram no exílio sua ousadia, atormentados pela sorte de suas famílias e de seu país. Cumprida estava a sentença. Saciados estavam os juizes. Vingada estava a rainha. Triunfante saíra Portugal, mas não por muito tempo.

Pouco depois, em Vila Rica, um jovem de apenas 15 anos assistiria estarrecido o espetáculo da exposição da cabeça do Tiradentes em via pública. Era José Joaquim da Rocha, que seria trinta anos depois um dos principais articuladores da independência. Germinou a semente, ainda que tardia. O exemplo que os portugueses queriam dar teve efeito contrário aos seus propósitos. Tiradentes não seria lembrado pelos brasileiros como um criminoso, o abominável réu de Lesa Majestade, que consta nas Devassas, mas como o mártir da liberdade, o herói que deu a vida pela pátria e que influenciou de forma incontestável a vocação democrática do Brasil.

(sessão solene do Dia de Tiradentes – 21/04/2010)

Rogério Geraldo de Paiva (IHGT)