20.8.13

José Basílio da Gama: perfil do poeta sanjosefense


Rogério Paiva - Sócio do IHGT
18/08/2013
 
José Basílio da Gama nasceu a 22 de julho de 1740 na antiga Vila de São José del-Rei, atual cidade de Tiradentes, sendo batizado a 06 de dezembro de 1741. Descendia de duas tradicionais famílias portuguesas: os Villas Boas e os Gama. Seu pai, Manoel da Costa Villas Boas era natural de Barcelos, Portugal, filho de João de Villas Boas e de Maria da Costa. Quitéria Inácia da Gama, a mãe, nasceu no Rio de Janeiro, filha de Luís de Almeida Ramos, originário de Tarouca, Portugal e da brasileira Helena Josefa Correia da Gama. Basílio teve seis irmãos: Manoel Caetano da Costa Villas Boas da Gama, Antônio Caetano Villas Boas da Gama, Antônio Caetano de Almeida Villas Boas, João de Villas Boas, Helena e Ana.

A infância do poeta passou-se em propriedade paterna localizada, segundo a tradição, na Várzea do Cacheu, em São José, onde o pai parece ter exercido influência. Manoel da Costa Villas Boas foi Capitão de ordenança e exerceu ali os cargos de juiz ordinário e vereador. Contudo, a morte precoce dos pais trouxe dificuldades financeiras à família e Basílio foi levado ao Rio de Janeiro por um frade franciscano, para frequentar as aulas de humanidades dos Jesuítas. Outra tradição diz que o benfeitor do poeta foi o Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, que teria encaminhado Basílio ao Colégio dos Jesuítas, onde faria o noviciado. Alpoim era amigo do governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, que figura como o comandante das tropas portuguesas na guerra contra os jesuítas no sul do Brasil, epopeia narrada por Basílio no poema O Uraguai.

No Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro Basílio permaneceu até 1759, quando O Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus dos domínios de Portugal, sob alegação de conspiração na ordem religiosa. A Companhia fundada por Inácio de Loyola desfrutava de grande poder político dentro do Estado português, e Pombal, visando o fortalecimento do poder real, que era também o próprio, declara guerra contra os jesuítas. A consequência imediata foi o fim da secular atribuição educacional da Companhia no Brasil, com o fechamento dos seus colégios. Basílio segue, então, para o Seminário São José, para prosseguir seus estudos.

De 1760 a 1767 esteve na Europa, chegando a lecionar em Seminário da cidade de Roma para custear os próprios estudos. Nesta época ingressou, sob a proteção dos jesuítas, na Arcádia Romana, assumindo o pseudônimo de Termindo Sipilio. Depois de rápida passagem pelo Rio de Janeiro em 1767, voltou, no ano seguinte, a Portugal para matricular-se na Universidade de Coimbra. Em Lisboa foi preso, acusado de inconfidência por suas ligações com os jesuítas e condenado ao degredo para Angola, na África. Outra versão (contada por Herculano Veloso) diz que o poeta foi preso ainda no Rio de Janeiro, sendo remetido a Lisboa, onde foi submetido ao temível Tribunal de Inconfidência. Na capital portuguesa, prestes a partir para o degredo, salvou-lhe a habilidade poética, por ocasião do casamento da filha do Marquês de Pombal. No "Epitalâmio às núpcias da Sra. D. Maria Amália" (1769) o poeta não poupou elogios a Pombal, caindo imediatamente nas graças de Sebastião José. No poema, pedia clemência ao Ministro ao mesmo tempo em que criticava duramente os jesuítas. Esse episódio, que sugere uma falha no caráter do poeta, revela também seu senso de oportunidade. Ele, que tanto devia aos jesuítas, de repente se tornara um admirador incondicional do maior inimigo deles, o Marquês de Pombal. A relação do poeta com os discípulos de Inácio de Loyola se deu em duas situações delicadas de sua vida: quando se aproximou e quando se afastou deles. Aproximou-se dos jesuítas para estudar, depois que se viu órfão, ainda na pré-adolescência. Mais tarde, ao ver-se na iminência do degredo, apelou para a vaidade do Marquês de Pombal, e passa a atacar impiedosamente os antigos protetores. Se a atitude é questionável, o certo é que, nas duas ocasiões, Basílio lutou com a arma que tinha: a inteligência.
 
O fato é que o “Epitalâmio” e as críticas aos jesuítas agradaram muitíssimo a Pombal e, como recompensa, Basílio escapou da condenação por jesuitismo, tornou-se favorito do Marquês, passando a viver tranquilamente na Corte portuguesa. Foi um período de grande prosperidade em que o poeta foi nomeado oficial da Secretaria do Reino, recebeu título de Fidalguia por Carta Régia e produziu sua obra prima “O Uraguai” (1769), poema épico em cinco cantos, publicado em Lisboa pela Imprensa Régia. No poema, Basílio narra a guerra empreendida em 1757 por Portugal e Espanha contra os jesuítas estabelecidos em aldeamentos indígenas no Rio Grande. O Tratado de Madri, do ano anterior, destinava os Sete Povos das Missões aos portugueses e a Colônia do Sacramento (implantada por Luiz Almeida, avô de Basílio), aos espanhóis. No poema, os jesuítas lideram os índios contra as tropas do General Gomes Freire de Andrade e de Catâneo, generais português e espanhol, respectivamente.
 
Paralelamente às suas funções na Secretaria de Estado, Basílio produzia sua obra, surgindo “A declamação trágica” (1772) e “Campos Elíseos” (1776). Em 1777 ocorre a morte do Rei D. Jose I e a coroação de D. Maria I. A animosidade da nova soberana quanto à política e à pessoa do Marques de Pombal provocou a queda do Ministro e a consequente perseguição dos seus protegidos. Basílio, apesar disso, manteve-se em seu cargo e continuou a compor sua obra, tendo produzido “Relação abreviada da República” e “Lenitivo da saudade” (1788) e “Quitúbia” (1791), além de outros poemas. Na versão veiculada por Herculano Veloso, com a queda de Pombal o poeta sanjosefense teria deixado o cargo em Lisboa e voltado ao Rio de Janeiro. Lá, fundou a Arcádia Fluminense, em parceria com o poeta Silva Alvarenga, sob os auspícios do vice-rei Luiz de Vasconcelos. No entanto, a posse do novo vice-rei, o Conde de Resende, renovou-lhe a perseguição e, diante da prisão de Silva Alvarenga, Basílio volta a Portugal onde falece a 31 de julho de 1795 em Lisboa, sendo sepultado na Igreja Nova de Belém.
 
Basílio produziu extensa obra, destruída, em parte, por ordem própria em seu leito de morte. Além da Arcádia Romana, ele integrou a Arcádia Ultramarina, fundada em 1780, à qual também pertenciam Cláudio Manuel da Costa, Frei Santa Rita Durão e Tomás Antônio Gonzaga e a já citada Arcádia Fluminense, ao lado de Silva Alvarenga. Na história da literatura portuguesa, o poeta classifica-se no arcadismo, porém, como precursor do romantismo. Ao tratar temas relacionados à natureza e ao indígena, Basílio teria antecipado em meio século a escola romântica, cujo auge ocorreria em meados do século XIX, conforme divisão cronológica estabelecida por José Veríssimo. José Basílio da Gama é patrono da Cadeira n. 4 da Academia Brasileira de Letras e honra com seu nome a Escola Estadual Basílio da Gama, criada em sua terra natal em 1922.
 
O retrato idealizado do poeta consta de selo comemorativo dos duzentos anos de seu nascimento. Herculano Veloso, através de Varnhagem, descreve sua fisionomia e estado de espírito “o ilustre poeta era mediano de corpo, de rosto trigueiro, onde brilhavam dois olhos vivos. Homem de bom trato, dotado de uma veia fecunda de anedotas".
 
Hoje, que a várzea do Cacheu, seu berço, está totalmente destruída, inclusive com o desaparecimento da lagoa que caracterizava o local, e que muitos tiradentinos sequer sabem quem foi Basílio da Gama, talvez seja o momento oportuno para mais uma homenagem ao poeta, que figura entre os maiores da língua portuguesa. Quem sabe, desta vez, a inspiração não esteja nos versos que o próprio Termindo Sipilio dedicou ao Marquês de Pombal, e que mais parece o projeto de um monumento definitivo a ele mesmo, no local em que passou seus verdes anos?

Ergue de jaspe um globo alvo e rotundo,
E em cima a estátua de um herói perfeito;
Mas não lhe lavres nome em campo estreito,
Que o seu nome enche a terra, e o mar profundo

Mostra no jaspe, artífice facundo,
Em muda história tanto ilustre feito,
Paz, justiça, abundância e firme peito,
Isto nos basta a nós, e ao nosso mundo.
Mas porque pode em século futuro,
Peregrino, que o mar de nós afasta,
Duvidar quem anima o jaspe duro;

Mostra-lhe mais Lisboa rica e vasta,
E o comércio, e em lugar remoto e escuro,
Chorando a hipocrisia. Isto lhe basta


Referências bibliográficas:

- Revista do Arquivo Público Mineiro - Ano XII
- SANTOS FILHO. Olinto Rodrigues dos. Guia da Cidade de Tiradentes. Tiradentes: IHGT, 2012.
- VELOSO, Herculano. Ligeiras Memórias sobre a Vila de São José nos tempos coloniais. Belo Horizonte: 1955.
- Casa do Bruxo
- Poetas Livres