15.2.12

Assim se faz a História!


A História nos diz muitas coisas. Quem somos, quem fomos e o que seremos. Nos mostra como construímos o mundo! Como o transformamos! E como o vemos, através das nossas ações, nossas ideias, nossos pensamentos. Nosso modo de viver. A História conta como vivemos nossas vidas. De onde viemos e para onde vamos. O que fizemos e o que fazemos de nossas vidas. O que faremos de toda à vida! A História é um organismo vivo inerente ao ser humano. Faz parte de nós. Vivem em nós. E cabe a nós não esquecê-la ou ignorá-la. Devemos honrá-la! Cervantes já dizia que “a história é êmula do tempo, repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.” Devemos então visitar o passado, aprendendo com os erros e se dignificando com os acertos, para que hoje, no presente, possamos construir um mundo melhor para uma vida melhor. Somente assim, poderemos nos orgulhar da História que será escrita no futuro! 

E foi assim que a história de Tiradentes foi sendo escrita e, no seu encalço, do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes. Ao longo de trinta e cinco anos, completados hoje, o IHGT foi, através de suas ações, preservando e honrando a história de Tiradentes. Construiu uma identidade sólida e respeitável, digna, partindo do pressuposto de que a preservação da história da cidade, de sua arte, da sua cultura, do seu povo, das suas tradições, das suas lendas, da sua memória, do chão que essa gente simples e batalhadora vive e, claro, dessa própria gente tiradentina e mineira, singela, calma, que vive nas margens do tempo, levando a vida sossegada, tranqüila, quase “caipira”; é preservando esse jeito mineiro de viver que o Instituto se manteve leal aos ideais dos heróis, anônimos ou não, desta cidade. E tudo isso através de um trabalho sério, árduo e responsável do IHGT, da dedicação de seus sócios, empenhados em preservar e, ao mesmo tempo, construir essa história. 

Ontem, muitos desafios se somavam perante nossos olhos. A precariedade do estado de conservação da cidade, de sua história, tanto material como humana, era um grande obstáculo a ser vencido. A rotina, outrora rica em ouro e em arte, em ideias e pensamentos, se arrastava pelas ruas quase esquecidas de Tiradentes. Uma cidade quase abandonada, esquecida até pelos seus, teimava ainda em existir, em sobreviver. Afinal, uma história não se apaga simplesmente dos livros e da memória do mundo. Ela se transforma! Ontem, aquele cenário de esquecimento e abandono, de tristeza e lamúria se redescobriu. As imagens em preto e branco foram coloridas, trazendo vida e alegria para esse povo. Guardava em si uma nova oportunidade, escondia em seus casarões uma nova chance. A serra, majestosa em sua beleza e magnitude, protegia dos olhos vis do mundo uma nova cidade. O tempo, que insiste em dar voltas, nos trouxe um novo ciclo. Uma nova vida repleta de mudanças e novos ideais. 

Ações de preservação e conscientização nortearam os trabalhos do Instituto. Palestras, seminários, comunicações, enfim, um sem número de eventos, todos alusivos a nossa história e a de nosso povo foram realizados ao longo da vida e dos anos do IHGT. Todos, voltados para a história desta terra. História de pessoas que aqui nasceram e que levaram o nome de Tiradentes para o mundo. História que aconteceram em nossa região e que foram marcantes para nosso país. História de grandes artistas, de escritores, de estudiosos. De gente curiosa em saber um pouco mais sobre o mundo. História e estórias... Tudo isso contribuiu para oportunidades de calorosos debates, de magníficas conversas, de inesquecíveis momentos de puro enriquecimento intelectual e cultural, em que ilustres palestrantes dividiram o palco, a cena, a história com simples pessoas. Todas com o intuito de aprender um pouco mais, de aprofundar um pouco mais, de contribuir um pouco mais com essa história que tanto nos orgulha. E sem contar as muitas exposições, compostas sempre “de arte, de grandeza e de heroísmo”, que levaram aos olhos de todos uma nova visão, uma nova ótica. Um novo panorama que muitos não acreditavam ou mesmo se quer imaginavam que poderia existir sobre nossa cidade, mas que brilhantes artistas nos mostraram possíveis. 

Hoje, vislumbramos um novo caminho em nossa história. Os horizontes das montanhas alterosas estenderam-se até os limites do mundo, levando um pouco da beleza e da riqueza desta cidade. Da nossa imponente muralha, ainda vive entre seus seixos e rachaduras um sentimento de liberdade, de perseverança. Uma memória de tempos de glória. Um sentimento este que foi semeado por bravos inconfidentes. Mas a nossa Serra de São José não é fortaleza suficiente contra o tempo. Até mesmo o maior dos colossos padece sob a ação implacável do mesmo. Por isso, se faz necessário a preservação de nosso refúgio, de nossas casas, do nosso patrimônio! Algo que soaria impossível em tempos remotos, hoje se torna uma real possibilidade. Graças a incentivos do BNDES, muitos ganhos transformarão, mais uma vez, Tiradentes. Obras de restauro dos principais pontos turísticos da cidade como: as igrejas, o chafariz, e o museu – além da construção de um novo museu –, revitalização do calçamento do centro histórico, da ponte de Pedra, da antiga Estação de César de Pina, elaboração do Plano Diretor, tão necessário para os dias vindouros da cidade, projeto de educação patrimonial e ambiental, sem contar as outras obras e projetos que serão executados. Alguns capitaneados pelo Instituto, através das ações coordenadas de seus sócios e colaboradores. Outros, por demais instituições da cidade. Mas todos contribuindo para que a cidade viva plenamente por mais 300 e tantos anos. Preservar para as gerações futuras é o legado que o Instituto pretende deixar e trabalha ativamente para fazê-lo. 

E não podemos nos esquecer daqueles que aqui lutaram e que aqui se doaram. Pessoas que acrescentaram ao espírito do Instituto um pouco de suas almas. Pessoas que hoje não mais estão conosco, mas que fizeram sua história. Em especial, duas mulheres, duas guerreiras que nos deixaram neste ano de 2011. Mães que adotaram os ideais do IHGT como seus filhos também. Mário Quintana já dizia “O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo.” E a saudade sempre ira nos tirar do caminho normal do tempo. 

Por isso, não podemos nunca nós esquecer da professora incansável, da mãe dedicada, da esposa companheira. Como esquecer da nossa querida Geralda, mulher atuante e participativa, que sempre ocupava cadeiras em eventos da cidade, prestigiando e atuando, contribuindo sempre com a preservação da nossa história. E da dona Dalma, mulher ímpar, que foi fundamental para o um novo ciclo, dentro muitos que Tiradentes já teve. Presidente do Instituto, dona Dalma foi decisiva em momentos chaves que a cidade enfrentou. Ambas imprescindíveis para a continuidade dos trabalhos do Instituto. Deixaram suas marcas, seus ensinamentos. Suas histórias! Ambas, nos deixam saudades. Não choremos suas ausências. Vamos celebrar suas vidas! 

Ontem criamos a história! Hoje nós a vivemos! Mas, e amanhã? O que será dessa história nos dias que virão, neste futuro incerto e cheio de surpresas? Não sabemos! Não há como saber. Previsões, adivinhações, fórmulas mágicas para se vislumbrar o futuro não são válidas para o que desenhamos ao longo de mais 300 anos de história. É impossível retirar esse véu de incertezas e descobrir o que há lá longe, onde nossa mente sonha mas nossa razão não alcança. Devemos então desistir? Nunca! Mas podemos fazer como disse o poeta inglês, Lord Byron: "O melhor profeta do futuro é o passado." Como foi dito, devemos aprender com o passado, utilizando essa sabedoria no presente e, assim, podermos alcançar o futuro, certos de que a história que fizemos ao longo destes muitos e muitos anos de Tiradentes e 35 anos de Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes foi a melhor possível, a mais bela possível. Mas a nossa história! 

Será difícil? Não sei! Não existe fórmula mágica para o sucesso. Mas quando consultarmos o livro do mundo, onde cada um escreve um pouco, cada um contribuiu um pouco, veremos que a nossa história não será uma nota de rodapé, nem uma simples frase ou uma mera citação. Devemos ocupar um capítulo inteiro de lutas, de realizações, de conquistas e de sonhos. Sonhar não custa nada, diz a música. E, se a história me permite, vou parafrasear aquele que já tem seu capitulo na história. Um louco para alguns. Um visionário para outros. Mas, acima de tudo, um sonhador. Tiradentes, nosso herói maior? Não, não quero cometer sacrilégios. Mais uma vez, Cervantes, através de seu filho maior, Don Quixote, me emprestará sua voz: “Quando se sonha sozinho, é apenas sonho. Quando sonhamos juntos, é o começo da realidade!" Sonhemos juntos então e vamos, juntos, escrever mais um capítulo nessa história! 


 Tiradentes, 19 de Janeiro de 2012. 
Wiliam Nascimento Wiermann 
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes.

3.2.12

O IHGT como "espaço" de discussões político-culturais


Este texto, ainda não terminado, dado o que dele pode ser criticado, nasceu de alguns momentos pelos quais passaram o IHGT e seus membros: o falecimento de duas sócias e algumas provocações saudáveis durante as reuniões.  Tudo isso, ao ser mencionado, nos permite refletir a própria posição desta instituição e de seus sócios quanto à participação na política cultural de Tiradentes.
Quando eventualmente falamos sobre política, tendemos ao erro de acreditar que política é algo feito por políticos e por seus partidos. A noção devida deste termo, e que agora tento apresentar, remete à relação que temos com os seres e objetos. Assim como Aristóteles julgou em sua época quando disse “o homem é um animal político” (ao dizer que ele estava inserido em uma pólis[1]), é possível compreendê-lo, o homem, como um ser que está inserido em variados espaços de atuações que o fazem, por conseguinte, estar, também, em constante relação com outros homens.
Se tratamos a política por sua condição relacional, que une os seres humanos, podemos pensar tais relações focadas em contextos específicos. Isso é, em espaços específicos. Apresentados esses pontos, podemos observar no IHGT a constituição de um espaço político no qual refletimos questões voltadas à história, arte, cultura e à preservação. A importância de pensar a história dentro de contextos políticos, isto é, pelas relações que são construídas entre seres humanos, nos faz buscar pelos valores de nossas ações (valores esses gravados pela história – já que cada grupo pode ter uma versão de um acontecimento histórico). A figura de Tiradentes, por exemplo, vai além de um revoltoso detentor de determinados ideais (que alguns poderiam classificar como ideais elitistas). Tiradentes passou a ser, em momentos diferentes e pelas relações diferentes nas quais sua figura é exaltada, pessoa que viria promover ideais nacionalistas, republicanos, libertadores, democratizantes, redemocratizantes, etc. Essas possibilidades de leituras demonstram algumas variações na compreensão do espaço de atuação de grupos e indivíduos.
Podemos iniciar essa discussão acerca do espaço questionando isso que comumente chamamos de preservação. Preservamos, por exemplo, memórias; cultura material ou imaterial; preservamos relações, etc. Preservar, contudo, não significa, ou não deve significar, cegueira histórica. Quando, em nossas pesquisas, tratamos da história, a tomamos pela necessidade de elaboração do passado. Elaborar o passado é tratar daquilo que passou e que nos mantém presos às causas unilaterais, como se colocássemos “uma pedra sobre o assunto”. Elaborar o passado é estar em constante reflexão sobre a história sem deixar que ela se fundamente como um passado distante e contado por um único ponto de vista.
Mantemos com a história não apenas uma relação estética, contemplativa: julgando-a pelo movimento cultural e artístico que levou, por exemplo, a construção de monumentos como o Chafariz São José, igrejas, casarões. Também não mantemos apenas o sentido utilitarista para com estas obras. Primeiro, porquê os julgamentos sobre arte e sobre estilos de arte são mutáveis pela constante dialética de nossos juízos. Segundo, e diante dos avanços tecnológicos, por não pensar essas obras pelo que supre de nossas necessidades: as mulheres não mais lavam roupas nos chafariz, nem os cavalos bebem de seu tanque, nem necessitamos daquela obra para fornecer água para toda a cidade. Sendo assim, é necessário nos afastar de questões do tipo “para que serve isto?”. Em lugar dessa questão, talvez, devêssemos nos aproximar de outras como, por exemplo, “qual a relação temos, ou tenho, com certas obras e porquê devemos preservá-la?”.
Pessoalmente, acredito ser nesse ponto reside a importância desta instituição que hoje, dia 19 de janeiro de 2012, completa 35 anos. O Instituo Histórico e Geográfico de Tiradentes, pela atuação de seus membros, constitui um espaço de discussões específicas[2] sobre igrejas, monumentos, casarões... Neste espaço, tratamos das relações entre os sócios e aquilo que está fora do IHGT.  
Para compreender isso, é necessário aceitar que os seres humanos constroem, com os objetos e seres, relações passíveis de serem resignificadas, transformadas, valorizadas, transvalorizadas (que seja). Cada um poderá, por si, responder sobre os motivos para preservar. Alguns desses motivos, por serem pessoais, podem ser classificados como mesquinhos: posso querer preservar a matriz porquê lá fui batizado, porquê meus avós foram enterrados lá, meus pais se casaram e etc. Claro, devemos levar em consideração que não existe uma visão unilateral quanto ao motivo. Importam menos as respostas que o fato de termos as respostas. O motivo de termos as respostas é o que será comum para nós. Ou seja, quando podemos responder, mesmo que intimamente, “por quê preservar este monumento?”, estamos a dizer que temos certas relações com esta obra (relações estas que poderão ser modificadas). Não será uma única resposta que faz uma obra digna de preservação.
Durante certo tempo e em certas conversas, alguns sócios do IHGT demonstraram preocupação sobre esta instituição ser classificada como elitista, como uma casa fechada na qual os lordes ou homens bons são aceitos e podem frequentar. Quanto a isso, devemos compreender que o IHGT não tem, nem deve ter, posicionamento fechado quanto a nada que está fora dele. Ou seja, podemos tratar das igrejas e casarões, mas sem desejar que nossos julgamentos sejam os únicos. Legitimamos, por isso, a existência de outras instituições presentes aqui, em Tiradentes. Ao fazermos isso, legitimamos nosso próprio espaço de discussões: O IHGT e seus membros são constituídos (I) pela política cultural - que marca a preocupação desta instituição, (II) pelas discussões sobre a necessidade de preservar, (III) sobre pesquisas históricas, etc.
A existência de instituições com diferentes perfis permite que o instituto possa se dedicar ao que lhe é caro. Quanto às outras instituições, cabem a elas fazer os debates sobre os assuntos que lhes causam preocupações. Quanto aos sócios do IHGT, notamos sua unidade ao observar suas atuações nas temáticas sobre as quais se debruça esta instituição. Isso permite conhecer os interesses e atuações de seus membros desde sua fundação, em 1977, diante do movimento histórico. Não podemos ser julgados como homens bons ou lordes se nossa preocupação não é política partidária, nem advém da necessidade de conclamarmos grandes levas de turistas - expondo a cidade em uma vitrine midiática -, buscando lucrar com os “nossos” estabelecimentos e “patrimônios”. Em suma, por termos interesses diferentes.
Para finalizar, ao IHGT não interessa quantidade de membros, mas a qualidade de seus interesses que, é verdade, só terá uma coerência interna (já que não é devido obrigar ninguém – o externo – a pensar como nós: sobre cultura, arte, história, etc.). Não podemos ser classificados como lordes, pois aceitamos outras instituições com preocupações diferentes das nossas. Temos uma identidade institucional. Por fim, é o respeito com as preocupações e relações desta instituição, desde o início elencadas por seus fundadores (mesmo que em perspectivas diferentes), que constrói e mantém a coerência que hoje coroa o seu trigésimo quinto aniversário. 

David I. Nascimento - Sócio do IHGT
(Comunicação apresentada em sessão solene, em 19 de janeiro de 2012)




[1] Cidades estados encontradas na Grécia Antiga. É devido dizer que as relações políticas neste contexto eram construídas por homens livres (o que excluía mulheres, crianças e escravos).
[2] Específicas, aqui, não deve significar unilateral.