20.4.17

Ainda o Tiradentes

Olinto Rodrigues dos Santos Filho

Busto de Tiradentes de Alberto Delpino, 1884.
Óleo sobre cartão. Acervo do IHGT.

O dia 21 de abril marca a memória da morte por enforcamento de Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha ou apelido “O Tira-dentes”, como se escrevia no século XIX. A comemoração do 21 de abril vem de longa data na história do Brasil. Já em 1867 o governador da Província de Minas Gerais, Saldanha Marinho, mandou construir em Ouro Preto uma coluna em homenagem ao Tiradentes. Esse foi o primeiro monumento aos inconfidentes, ainda no segundo reinado. Em 1894, ela foi retirada para dar lugar ao monumento atual e andou perdida, até voltar para Ouro Preto e ser colocada na praça da Barra. 

No Rio de Janeiro, fez-se um movimento nos fins do século XIX para erguer uma estátua de Tiradentes, mas não saiu na época. A campanha republicana que contava com intelectuais e jornalistas adeptos ao positivismo reergueu a imagem do Tiradentes como mártir e o elevou-o a símbolo da república. Silva Jardim, que sugeriu a troca do nome de São José del Rei para Tiradentes, em 1889 fez discurso sobre a figura do Tiradentes, publicada em opúsculo em 1890. 

Em 1872 chegou-se a publicar um manifesto ao povo brasileiro pelo Dr. Pedro Bandeira de Gouveia, conclamando a fazer uma subscrição popular para ereção de uma estátua do Tiradentes. 

 Nas comemorações do Centenário de Morte de Tiradentes, o Clube Tiradentes promoveu várias comemorações, inclusive uma procissão cívica com o busto do herói levando em andor. Como não havia retrato do mártir a ideia foi liga-lo a figura do Messias, surgindo daí a representação de Tiradentes identificado com Cristo, com longa cabeleira e barba desgrenhada. A representação no patíbulo, esquartejado de Victor Meirelles lembra a cena do Calvário. 

Na cidade de São José del Rei, desde a década de 1880, se fazia sessões cívicas, conferências e visitas a Casa do Padre Toledo, que acreditava-se à época ser do próprio Tiradentes. Por volta de 1889 foi localizado o inventário dos bens dos pais do Tiradentes, no cartório local, documento esse que foi entregue ao Dr. Sampaio Ferraz pelo maestro e compositor Francisco de Paula Villela e depois doado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde se encontra. 
Poesia copiada por Dulce Fonseca para o
uso de seus alunos no Grupo Escolar.

livro que pertenceu a Professora Dulce Fonseca, 1917,
usado no Grupo Escolar de Tiradentes para os auditórios.
Em 1892, quando se comemorou os 100 anos de morte do Alferes Tiradentes, foi montada uma “Sociedade Comemorativa do Centenário de Tiradentes”, com muitos sócios contribuintes, presidida pelo comendador Carlos José de Assis (1825-1893) que promoveu grandes comemorações à época com missa de réquiem na Matriz, sessão cívica, procissão cívica, etc. Nesta época se construiu uma coluna em homenagem ao Tiradentes no Largo da Independência, hoje Largo das Forras. Ainda lá se encontra o monumento tombado pelo município, com sua lápide escrita em língua latina. Era nesse monumento que se comemorava o 21 de abril, com os alunos das escolas, depois do grupo escolar e as conferências eram na Casa do Padre Toledo, então sede da prefeitura e câmara. 

Termo de abertura do livro de contas da Sociedade Comemorativa do
Centenário do Tiradentes, assinado pelo Comendador Assis
e datado de 02 de fevereiro de 1892. Acervo do IHGT.

Só a partir de 1962 quando instalado o busto de Tiradentes no Largo do Sol é que pra lá se deslocaram as comemorações. O busto foi esculpido pelo artista José Morais, que veio para a cidade para restaurar a talha e pintura da Igreja Matriz em 1961/1962. Havia na época sessão cívica, desfile das escolas e outras solenidades. A partir do Governo de Israel Pinheiro a “Semana da Inconfidência” tinha início em Tiradentes, com o acontecimento Pira da Liberdade, cerimônia essa que foi suprimida pelo governador Aécio Neves da Cunha. Hoje as comemorações do 21 de abril tem sido muito pálidas e sem entusiasmo. 

Protótipo do busto de Tiradentes, esculpido por
José Morais, colocado na Praça D. Delfim Ribeiro Guedes,
hoje Largo do Sol, atualmente no largo da Câmara.

A figura do Tiradentes foi usada por todos os movimentos políticos, tanto de esquerda quanto de direita, assim como por várias instituições. É patrono da Polícia Militar de Minas. É cultuado pela maçonaria. Na ditadura militar foi decretado patrono cívico da nação brasileira, em 1965. O feriado do 21 de abril já havia sido criado por lei em 1949 e 1950. Todos os políticos gostam de usar a figura ímpar do altaneiro Alferes, que hoje deveria ser exemplo para nossos políticos corruptos. Juscelino Kubistchek criou a medalha da Inconfidência e inaugurou Brasília no dia 21 de abril. Tancredo usou o nome do herói em sua campanha e em seus discursos, e fizeram-no morrer no 21 de abril. Itamar Franco mandou por seu busto no Palácio do Planalto. E quem mais irá usá-lo? 

Que a figura altaneira, idealista, sem medo e grande propagador das ideias libertárias possa de fato ser exemplo para nossos governantes nestes tempos tenebrosos de falta de amor à pátria e a coisa pública que vivemos. 

 Vale ainda lembrar que, em 1992, no bicentenário de morte do herói, a cidade de Tiradentes saiu na frente com grandes comemorações naquele 21 de abril, em que Fernando Collor de Mello expropriava o estado e o povo brasileiro. Quem veio à Tiradentes foi seu vice, Itamar, mineiro sério e patriota. Lembro ainda que Joaquim José nasceu na margem direita do Rio das Mortes, no Pombal, então distrito da Vila de São José, onde viveu até os 20 anos de idade. Seu avô, Domingos Xavier Fernandes era homem público já em 1718, pois foi o primeiro tesoureiro da câmara da Vila de São José. Antônia da Encarnação, mãe do Alferes, nasceu na Vila de São José del Rei, em 1721, tendo sida batizada na Matriz de Santo Antônio e lá mesmo se casou em 1738 com o português Domingos da Silva dos Santos, que exerceu a vereança por um biênio (1755-1756), além de ter sido Almotacel, ou seja, cobrador de impostos. O avô e o pai foram irmãos da Irmandade do Bom Jesus dos Passos. O casal Domingos e Antônia tinham duas casas no centro da vila para frequentarem a igreja aos domingos, como consta no inventário deus bens. Enfim, toda a ligação da família do Tiradentes era com a Vila de São José e nada mais justo foi ter dado o nome do herói a esta cidade, berço da liberdade brasileira. 

No dia 21 de abril de 2017, o IHGT fará Sessão Solene em homenagem ao Tiradentes, no Sobrado Ramalho, às 18 horas.

Coluna em homenagem ao Centenário de Morte do Tiradentes
erigida em 1892 na Praça da Independência, atual Largo das Forras,
tendo sobre a Coluna um busto do Tiradentes, em cimento, feito por
Antônio Ferreira Gomes, em 1934. Encontra-se em posse da Prefeitura.