21.12.11

O batizado do Tiradentes e a questão de limites entre as vilas de São João e São José

Rogério Paiva – Sócio do IHGT 
 (Comunicação em reunião do IHGT do dia 20 de novembro de 2011) 

 “Aos doze dias do mês de novembro de mil setecentos e quarenta e seis anos, na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, o Reverendo Padre João Gonçalves Chaves, capelão da dita Capela, batizou e pôs os Santos Óleos a Joaquim, filho legítimo de Domingos da Silva dos Santos e de Antônia da Encarnação Xavier; foi padrinho Sebastião Ferreira Leytão e não teve madrinha; do que fiz este assento. O Coadjutor Jeronymo da Fonseca Alvarez”.


Nascido na Fazenda do Pombal, termo da vila de São Joseph del-Rey, em 1746 foi batizado a doze de novembro do mesmo ano em capela da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, de São João del-Rey. Estava feita a confusão que atravessaria os séculos. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, era sanjosephense ou sanjoanense? Polêmica estéril e inútil que, certamente, não mudará a história ou a importância do Herói nela, mas que vem propiciando um pitoresco debate, cheio de nuances bairristas, sobre as obscuras fronteiras de São José e São João no século XVIII.

 Acusado do crime de lesa-majestade, o Alferes Tiradentes foi preso em 1789 e condenado em 1792. Enforcado, esquartejado e distribuído pelo caminho entre o Rio de Janeiro e Vila Rica, foi declarado infame, infame também a sua descendência até a segunda geração e teve seus bens confiscados. A casa em que morava, em Vila Rica, foi demolida, o terreno esterilizado pelo sal e lá foi levantado o padrão da ignomínia. Proclamada a independência, em 1822, o herói permaneceu esquecido e menosprezado para ser, enfim, resgatado pela propaganda republicana do final do século XIX, como símbolo maior do novo regime, tão sonhado pelos Conjurados de 1789.

 Foi na cidade de São José del-Rei, que os propagandistas republicanos encontraram a melhor acolhida e onde buscaram inspiração para a causa, e visitaram-na por diversas vezes em verdadeiras peregrinações cívicas. Em uma dessas ocasiões, em discurso na estação ferroviária, o republicano Antônio da Silva Jardim sugeriu a mudança do nome de São José para Tiradentes. Seria, segundo ele, uma homenagem ao herói e, ao mesmo tempo, a correção de uma injustiça, pois não soava bem o nome de um rei português para a terra natal do Mártir.

A mudança ocorreria a seis de dezembro de 1889, quando a Lei nº 3 do governo republicano provisório de Minas, chefiado por Cesário Alvim, oficializou a proposta de Silva Jardim. São José del-Rei, tornava-se Tiradentes. Curiosamente, até início do século XX, alguns documentos da Câmara referiam-se à cidade como São José de Tiradentes. Um indício, fundamentado em tradição do século XIX, de que o povo nunca teve dúvida quanto à origem do Alferes.

A Vila de São José del-Rei foi criada a dezenove de janeiro de 1718, quando D. Pedro de Almeida Portugal, Conde de Assumar, Governador das Capitanias de Minas e São Paulo, elevou à categoria de Vila o Arraial de Santo Antônio. Com o ato, o Conde atendia aos vários requerimentos dos moradores do lado direito do rio, que alegavam dificuldade em atravessá-lo para resolverem suas questões em São João del-Rei. O rio, volumoso na época das chuvas, devia ser um empecilho respeitável, causador de incontáveis mortes que lhe valeram o nome.

 São José del-Rei nasceu sob intensa disputa. A criação de uma nova vila, tão próxima, incomodou profundamente a Câmara de São João, que reagiria imediatamente. Transformada em vila em 1713 e em sede da Comarca do Rio das Mortes em 1714, São João del-Rei dominava vasto território, que se confundia com o próprio território da Comarca, uma vez que era a única vila ali existente, até então. Assim sendo, o surgimento de uma nova vila significou também o aparecimento de uma rival, pelo menos no entendimento das autoridades sanjoanenses daquela época.

De imediato, a Câmara sanjoanense representou a D. João V contra o ato do Conde de Assumar, mas o Rei confirmaria a nova vila a de doze de janeiro de 1719. A três de fevereiro de 1718 foi nomeado o termo da Vila de São José, ficando estabelecido o leito do Rio das Mortes como limite entre as duas vilas, conforme o desejo dos moradores da região, atendido pelo governador e pelo Rei. A sete de março a Câmara de São José solicitou ao governador a concessão de meia légua de terras em quadra para obter seus rendimentos, como era de praxe, para a manutenção da Câmara e dos serviços públicos. Nova reação da Vila de São João del-Rei veio a 28 do mesmo mês, com ato do ouvidor geral da Comarca, Valério da Costa Gouveia, que estipulou meia légua em circunferência, fazendo peão na vila. Esse ato diminuiu a sesmaria patrimonial da Câmara de São José, que protestou imediatamente. Na sequência, a controvérsia instalou-se quanto à verdadeira madre do Rio das Mortes. Havia a dúvida se o Rio Elvas desaguava no Rio das Mortes ou se era seu curso principal. Para resolver a questão o Conde de Assumar veio à região em meados de 1719. Daí em diante não aparece nova delimitação territorial até a correição de 1755, que apenas confirma limite do rio, entre as duas vilas. No entanto, a discussão nunca encontrou ponto pacífico e, nos bastidores, a disputa continuou acirrada. A fibra do povo de São José, que seria mais tarde personificada na figura animosa do Tiradentes, fez com que a vila ocupasse de fato o que lhe cabia por direito, ou seja, a margem direita do Rio das Mortes, conforme o desejo do povo, atendido em janeiro 1718.

A partir da década de 1920, a mera questão de limites entre as duas vilas tornou-se verdadeira cruzada cívica, motivada por reações ao livro Ligeiras Memórias Sobre a Vila de São José nos Tempos Coloniais, de Herculano Veloso. O ex agente executivo de Tiradentes, profundo conhecedor dos arquivos históricos da cidade, tratou da questão dos limites entre as duas vilas e demonstrou a posse sanjosefense dos terrenos que se situavam à direita do rio, o que incluía, circunstancialmente, a Fazenda do Pombal, berço de Joaquim José da Silva Xavier. Ocorre que, nessa época, a imagem do Tiradentes, já restabelecida pela República, tornara-se atrativa, e a antiga questão de limites passou a concentrar-se na reivindicação de seu local de nascimento. A reação sanjoanense veio através de Basílio de Magalhães, com artigos publicados na imprensa local. Em 1976 surge o livro As Vilas Del-Rei e a Cidadania de Tiradentes, de Eduardo Canabrava Barreiros. Livro que, segundo o próprio autor, foi escrito sob encomenda de vereadores de São João del-Rei, no afã de resolver a questão em torno da naturalidade do Alferes. Nesse ínterim, outros escritores trataram do assunto, com pouca variação em relação aos escritores supracitados.

Basílio de Magalhães pretendeu questionar Herculano Veloso com argumentação baseada em três pontos: 1- o próprio Tiradentes se identificou como sanjoanense no interrogatório de 22 de maio de 1789, publicado nos Autos de Devassa; 2- a carta de sesmaria da Câmara da vila de São José era de meia légua em circunferência, o que não atingia a Fazenda do Pombal; 3- apenas com a correição de 1755 o território onde se encontrava a Fazenda do Pombal teria passado à jurisdição da Vila de São José, mesmo assim, por pouco tempo. Além disso, Basílio questiona a legitimidade da participação política do pai do Tiradentes, Domingos da Silva dos Santos, na vila de São José. Para refutar o fato embaraçoso de Domingos ter sido eleito almotacé e vereador por São José em 1746 e 1754, respectivamente, o que comprova sua residência no local, o escritor cita o caso de um sujeito que teria ilegalmente ocupado cargos de vereador nas duas vilas del-Rei, pelo que fora repreendido pelo Rei. E o escritor levanta a hipótese de que o mesmo pudesse ter ocorrido ao pai do Tiradentes...

 O outro estudioso do assunto, Eduardo Canabrava Barreiros, partindo de Basílio e Herculano, também pretendeu resolver a intrincada questão. Traçou um triângulo com a finalidade de encerrar a polêmica em torno dos limites das vilas e decretou: Tiradentes é sanjoanense porque: A) Foi batizado em capela pertencente à freguesia de Nossa Senhora do Pilar, de São João del-Rei; B) Nasceu na Fazenda do Pombal, termo da vila de São João; C) O próprio Tiradentes declarou-se sanjoanense, no interrogatório de 1789, também citado por Basílio.

Louvável esforço, sem resultados práticos. Nem os três argumentos de Basílio, nem o triângulo de Barreiros encerraram a polêmica, e por um fato muito simples: deixaram margem ao questionamento e à contraprova. Contaram apenas a uma versão da história. Diante disso, passemos a analisar os argumentos desses autores e a apontar alternativas, não com o intuito desnecessário de provar a naturalidade sanjosefense do Tiradentes, o que é irrelevante para a grandeza do Alferes, ou para a sobrevivência de nossa cidade, cujo sucesso de marketing turístico se deve mais à preservação arquitetônica, ambiental e cultural do que propriamente ao nome do filho ilustre, que, no entanto, ostentamos com orgulho.

Vejamos, então, a opinião dos dois escritores e as alternativas não consideradas por eles:

1º - Joaquim José da Silva Xavier é sanjoanense porque batizou-se na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, freguesia de Nossa Senhora do Pilar, de São João del-Rei: Quanto ao assento de batizado do Tiradentes, reproduzido no início deste texto, ocorre confusão, deliberada ou não. De fato, a Capela de São Sebastião do Rio Abaixo pertencia à Paróquia de Nossa Senhora do Pilar. Se a hipótese de Barreiros estivesse certa, e essa capela estivesse do lado esquerdo do rio, também sua localização pertenceria ao Termo da Vila de São João del-Rei. Por outro lado, se a tal capela ficasse do lado direito, continuaria pertencendo, eclesiasticamente, à Paróquia sediada em São João, mas em território de São José. Naquela época, e ainda hoje, os limites administrativos das vilas não precisavam coincidir, necessariamente, com a jurisdição eclesiástica. A localização da Capela e sua jurisdição eclesiástica, no entanto, não faz a menor diferença quanto à definição da naturalidade do Tiradentes. Ele não nasceu dentro da capela, apenas foi ali batizado. O Herói nasceu na Fazenda do Pombal, à margem direita do rio, termo da Vila de São José desde 1718. Se na época existisse o registro civil, certamente esse documento seria registrado em São José. Mas esse documento não existe e nem precisa existir, pois seria anacrônico. Há, no entanto, outros e inúmeros documentos que comprovam a posse sanjosefense do território à direita do rio, àquela época, como o emblemático testamento do Sargento-mor João Gonçalvez Chaves, no qual fica claro que jurisdição eclesiástica não coincidia, necessariamente, com jurisdição territorial. Diz o documento: “...nesta paragem do Rio Abaixo Capella de São Sebastião fillial da matriz de Nossa Senhora do Pillar de Sam Joam del Rei comarca do Rio das Mortes e Termo da Villa de Sam Joseph, onde eu João Gonçalcez Chaves sou morador....” (livro de óbitos da freguezia de Santo Antônio da Villa de S. José. 1746-1768. Fls. 356-362- Arquivo Paroquial de Tiradentes). Dirão alguns que esse documento é de 1759, e que nessa época imperava a correição de 1755. Note-se, entretanto, que a capela continuava a pertencer eclesiasticamente a São João, apesar de estar em terras de São José, ou seja, mesmo que o território tenha passado para São José, através da tal correição, a capela continuou pertencendo à paróquia sediada em São João. Isso prova que as duas coisas não se misturavam, necessariamente. Por semelhança, pode-se concluir que o registro de batismo do Tiradentes não é suficiente para indicar sua naturalidade, pois não indica o local do seu nascimento. Por outro lado, o testamento do Sargento-mor vai contra a opinião de Barreiros de que essa capela ficava do lado esquerdo do rio. Se assim fosse, mesmo a partir de 1755, não poderia pertencer a São José, como consta no documento citado.
 2º - Joaquim José nasceu na Fazenda do Pombal, cujo território a sesmaria de São José del-Rei não alcançava: Ora, todos sabem que essa sesmaria de meia légua de terras, em quadra ou em circunferência, referia-se apenas à área destinada aos rendimentos da Câmara, como ocorria em todas as demais vilas, inclusive São João, sem significar a totalidade do seu território. Não seria absurda a criação de uma vila com área tão diminuta? No caso de São José, isto ainda deixaria de contemplar o principal motivo da criação da Vila, que foi o requerimento dos moradores do lado direito do rio, que não queriam mais correr o risco de atravessá-lo para irem a São João. E como explicar a vinda do Conde de Assumar em 1719 para dirimir dúvidas sobre o verdadeiro leito do Rio das Mortes? E como explicar a existência dos inúmeros distritos da Vila de São José fora dessa limitada sesmaria? Seria apenas a avareza e desobediência dos vereadores de São José, que promoveram uma expansão avassaladora? Seria isto possível nas barbas da poderosa São João?  Sabe-se que o termo da Vila de São José chegou, no século XVIII, a fazer divisa com a capitania de Goiás. Por outro lado, confundir a área da sesmaria da Câmara de São José com a totalidade de seu território, autorizaria a aplicar o mesmo raciocínio com relação a São João, cujo termo seria, então, de duas léguas em quadra, conforme sua carta de sesmaria de 1714. Por que os limites de São João podiam extrapolar sua sesmaria patrimonial e o mesmo não poderia ocorrer a São José? Comarca do Rio das Mortes era uma coisa, Vila de São João del-Rei era outra. As coisas mudaram com a criação da Vila de São José e São João já não impera soberanamente na região. Aplicando, ainda, o mesmo raciocínio: se a Fazenda do Pombal não pertencia a São José, por estar fora da sesmaria da Câmara dessa vila, conforme dissera Basílio, por que pertenceria a São João, cuja sesmaria também não a alcançava? E por que a alegada perda do território referente às catas de São Francisco Xavier pela sesmaria de São João, que poderia ser compensada em qualquer direção, o seria exatamente na direção das terras da Fazenda do Pombal? Por ter sido o berço do herói? São muitas as questões possíveis, mas a resposta é invariável: Se a área onde se localizava a Fazenda do Pombal, pertencia ao Termo da Vila de São José, não é por ter sido berço do Mártir, mas por localizar-se do lado direito do Rio das Mortes. Essa era a divisa natural e oficial entre as duas vilas desde 1718. A correição de 1755, citada por Basílio e Barreiros, não provocou qualquer mudança nesse panorama, pois manteve o leito do Rio das Mortes como divisa. O argumento de que a paragem São Sebastião do Rio Abaixo, onde estava a Fazenda do Pombal ficava fora da vila de São José por estar fora de sua sesmaria patrimonial é fraco e insuficiente como prova, já que, aplicada a recíproca, o mesmo ocorreria a São João del-Rei. Sesmaria patrimonial de uma câmara não significava a totalidade territorial dessa mesma vila.

3º- Tiradentes declarou-se natural de São João del-Rei em depoimento de 22 de maio de 1789, publicado nos Autos de Devassa. De fato, lá está escrito que o Alferes se disse natural de São João del Rei, mas também, no mesmo documento, o Alferes disse ter 41 anos de idade. Ora, se o Tiradentes nasceu em 1746, como poderia ter 41anos em 1789? E se o Alferes errou sua idade, porque não poderia errar o local de seu nascimento? E se esse erro foi do escrivão, por que o mesmo não poderia errar a naturalidade de Joaquim José? Por outro lado, nos mesmos Autos de Devassa, volume 9, há petição através da qual Joaquim José solicita a antecipação de sua maioridade, por ser órfão e ter que cuidar do seu patrimônio. Nesse documento, ignorado pelos escritores citados, consta sua naturalidade sanjosefense. Além disso, a carta que concede a maioridade a Joaquim José, a quinze de julho de 1767, ordena que seja feita uma justificação perante o Juiz de Órfão da Vila de São José del-Rei. Isso não faria sentido se o Alferes fosse sanjoanense.  Portanto a informação extraída do depoimento de 1789 entra em contradição no mesmo depoimento e com outros documentos citados no mesmo Processo, o que a invalida como prova.

A questão de limites entre as vilas de São João del-Rei e São José del-Rei no século XVIII é assunto polêmico e a disputa em torno da naturalidade do Tiradentes está intrinsecamente ligada a ele. Haverá sempre o ardor cívico que, de cada lado, lutará pela honra de proclamá-lo conterrâneo. Ressalto, porém, que o intuito desta comunicação não é fazer apologia cega a uma posição bairrista. Quem questiona os escritores Basílio e Barreiros não sou eu, é a lógica... O que a faz a História são os documentos e, enquanto não surgirem documentos novos ou inéditos, que possam justificar uma revisão dessa História, limitemo-nos aos existentes:

“AUTO DE CREAÇAM DA VILLA DE SAM JOSEPH COM O SEU TERMO”

“Anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e dezoito annos. Aos vinte e oito dias do mês de janeiro do dito anno em o arrayal velho freguezia de Santo Antônio onde eu escrivam da ouvidoria geral vim com o coronel Antonio de Oliveira Leitam que de prezente serve de ouvidor geral por empedimento do Doutor Valério da Costa Gouvêa e sendo ahy prezente a nobreza clero e povo mandou o dito ouvidor em virtude de um despacho de Dom Pedro de Almeida Portugal governador e Cappitam general de Sam Paullo e Minas posto em huma petiçam que lhe fizeram os moradores do mesmo Arraial cuja copia lê a que se segue: Dizem os moradores da freguezia de Santo Antonio do Arraial velho que lhes se acham com grande prejuízo e empedimento para tratarem os seos negócios na Villa de Sam Joam del Rey por estarem da outra parte do Rio das Mortes cujas pasagens sam muito arriscadas e perigosas principalmente no tempo das augoas em que as suas enchentes o impossilibitam a recorrer a Villa de Sam Joan Del rey e fica todo este povo sem aquelle recurço para as partes alem de ter esprementado que muitas pessoas que neste tempo se arriscarm a passae se afogaram por nam haver canoas em que com segurança pasasem e perdem nam so seus negócios particulares senam do bem publico: E como esta freguezia he huma das mayores das minas e esta mais distantes da villa com muita largueza de matos para rossas como te lavras e faisqueiras permanentes Ai tem os moradores a suas cazas coaze todas cobertas de telhas por estarem as olarias perto da freguezia e para que melhor se possa o serviço de sua Majestade assim na arrecadaçam dos seos  quintos pois he sem duvida que coantas mais pessoas nesta diligencia se empregarem tanto mais fácil será dita cobrança e se nam experimentara o que sosedeo este anno em algumas (villas) que por terem os seos districtos excecivamente dillatados crecidos por cobrar com grande detrimento (e despeza da fazenda) real na dilaçam da frota do (Rio de Janeiro como também serão) mais bem obedecidas as ordens (que vossa Excellencia por servido dis) trebuyr cuja exzecuçam (ficara mais prompta e facilitada) por haver muitos moradores e poderozos com os quaes se poderá conservar uma boa villa das maioresdestas minas sem prejuízos da Villa de Sam Joam del Rey por lhe ficar inda hum grande distrito e por que já em outra ocaziam pelas justificadas razoes que aprontam fizeram o mesmo requerimento ao antesecor de Vossa Excelência no que nam foram deferidos por se mandar enformar de algumas pessoas que nam tinhao conveniência em que se erigiçe em Vila o dito Arraial de Santo Antonio posto que de nenhum modo esta materia prejudica a terceyros antes redunda em mais utilidade do serviço de sua majestade e bom regime dos povos: Esperamos da reta instiça de Vossa excelência que informado de pessoas desapaixonadas seja servido dar-nos o despacho que esperamos. Portanto pedem humildemente a Vossa Excelência que atendendo ao referido e por evitar algumas desuniões entre estes moradores e pella utilidade do serviço de El Rey lhe faça mercê erigir a dita freguezia em Villa e receberam mercê. Joam Ferreira dos Santos/ Joam André de Matos/ Silvestre Marques da Cunha. Domingos Ferreira dos Santos. Joam de Oliveira. Miguel Rodrigues. Manoel Pinheiro. Domingos da Silva. Domingos Rocha Moreira. Domingos Ramalho de Brito/ Manoel da Silva de Moraes/ Diogo Alves Cardozo/ Jonio Frenandes Preto/ Gonçalo Mendes Cruz/ Manoel Martins Machado Gonsalo Lima Rego – A cuja pitiçam esta o despacho seguinte: vistas as razões alegadas pello suplicantes e as imformaçoens que dellas tirei concedo (o que me pedem) e par o dito Arrayal de Santo Antonio seja erijido em Villa co o nome de Sam Joseph e o Doutor ouvidor da Comarca do rio das Mortes ou que em seu lugar servir lhe lenvatara Pelourinho e dara posse forma de estylo começando o distrito da nova Villa da banda de ca do rio das Mortes. Villa do Carmo dezenove de janeiro de mil setecentos e dezoito annos e na forma do dito despacho mandou o dito ouvidor sentar Pelourinho em o largo e praça que faz no dito Arrayal abaixo da freguezia erigindo com elle Villa da qual deo logo parte aos moradores como também do seu termo e distrito começando este da banda deca do Rio das Mortes com cuja posse acertaram reconhecendo todos ser esta Villa de Sam Josph novamente ereta do Senhor Rey Dom Joam o quinto e seus sucesores a quem obedeceram como seu legitimo senhor e suas justiças e de como assim aseitaram a dita posse mandou o dito ouvidor fazer este auto de creaçam e posse que asignou com as pessoas que se acharam prezentes, e eu Luiz de Vasconcellos Pessoa Escrivam da Ouvidoria Geral e Correiçam que o escrevi”.
Antº Olivª Leitão/ Luiz vasconcellos Pessoa/ Antº Frz Preto/ Silvestre Marques da Cunha/ Manoel da Costa Souza/ Constantino Alz de Azevedo/  Manoel P da Costa/ Manoel GLZ Moinhos/ Francisco A Roza/ Pedro Stone de Souza/ Diogo Alvarez Cardozo/ Domingos Ramaho de Brito

“TERMO DA REPARTIÇAM DESTA DESTRITO DA VILLA”

“Aos tres dias do mes de Fevereiro deste prezente anno de mil setesentos e dezoito annos nesta villa de Sam Joseph nas casas da camara della estando prezente o ouvidor geral desta Comarqua com os officiais da camara della o juiz ordinario o Capitam Manoel Dias Araujo, o capitam Mor Manoel Carvalho Botelho também juiz, os veriadores o capitam Domingos Ramalho de Brito,Manoel da Costa Souza, Constantino Alves de Azevedo e por empedimento do procurador asestiu o Sargento Mor Silvestre Marques da Cunha que para isso pellos ditos officiais da camara foi chamado, e sendo ahy pellos ditos officiais da camara foi dito e Requerido ao dito ouvidor geral que em virtode do despacho da petiçam ao Senhor General lhe nomeace o termo que devia ter esta [villa ] a que visto pello dito ouvidor lhe nomeia por [ termo ] de diviza o Rio das mortes da Banda de ca entrando pello Ribeiram chamado Alves por ser a verdadeira madre do dito Rio das mortes e que os mais eram braços [ do tal ] Rio e que outro sim eram os moradores desta freguezia e estarem em posse...[ desde a primeira criaçam sogeitos a freguezia de Santo Antonio a ] chamavam Arrayal Velho e que asim os moradores da banda do dito rio para ca sejam sogeitos a esta villa, e nesta forma ouve o termo della por divizado e de como os ditos officiais asim o aseitaram e o dito ouvidor assim lho repartio fiz este termo a que asignaram, eu Luiz de Vasconvellos Pessoa Escrivam da Ouvidoria Geral e correicam que o escrevi."


Antº Olivª Leitão/ Manoel Dias de Araújo/ Mel Carvª Botelho/ Manoel da Costa Souza/ Constantino Alz de Azvº/ Silvestre Marques da Cunha/ Domingos Ramalho de Brito

( Livro primeiro de Acórdãos e Criação da Vila de São José,1718 – 1722 – fls 1, 1vo ,, 2, 2vo. – Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes).




  

11.12.11

Um sábio de Minas


Texto: Olinto Rodrigues dos Santos Filho*

 José Veloso Xavier nasceu em outubro de 1741 na antiga vila de São José, atual cidade de Tiradentes, em Minas Gerais. Era filho de José Veloso do Carmo, português de Braga, e Catarina de Jesus Xavier, natural da vila de São José. Era primo do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e do padre Antônio Rodrigues Dantas, autor da famosa Explicação da Sintaxe, publicada em Lisboa no ano de 1775 e várias vezes reeditada. Entrou para a ordem franciscana em 1761, onde adotou o nome de José Mariano da Conceição, e estudou no Convento de São Boaventura de Macacu, hoje em ruínas, no município de Itaboaraí (RJ).

Em sua vida religiosa, ordenado em 1766, logo em 68 foi nomeado pregador. Transferido depois para a aldeia indígena de São Paulo (São Miguel), desenvolveu trabalho de pregação e conversão dos gentios, tendo ainda regido as cadeiras de Geometria (1771) e Retórica (1779) do Convento da cidade de São Paulo.

Durante sua estada em São Paulo iniciou estudos da flora local com tanto interesse e competência que chegou aos ouvidos do Vice-Rei Luiz de Vasconcellos e Souza, que mandou vir Frei Veloso para o Rio. Sediado no Convento do Largo da Carioca, o Frei teve licença para fazer excursões científicas pelo Estado do Rio, coletando e classificando as plantas daquela região, sob os auspícios do Vice-Rei.

Ao fim de cerca de nove anos de trabalho Frei Veloso apresentou ao seu protetor a obra concluída, a Flora Fluminensis, com cerca de 1600 plantas classificadas e desenhadas por Frei Solano, no ano de 1790. por esta importante obra é hoje conhecido como “Pai da Botânica no Brasil”. Regressando D. Luiz para a Corte, leva Frei Veloso com sua obra e seus desenhos, que seriam enviados à Itália para abrir as chapas. Em Portugal, o sábio mineiro dedica-se de corpo e alma a uma importante empreitada de editar obras úteis à agricultura e indústria agrícola no Brasil, as quais denominou O Fazendeiro do Brasil.

Publicou dez volumes em editoras diversas de Lisboa, tendo posteriormente, ainda sob a égide de D. Luiz de Vasconcellos, fundado e dirigido a tipografia do Arco do Cego, localizada em uma quinta naquele bairro, onde juntou um grupo de jovens brasileiros ilustrados para traduzir e editar obras de interesse para sua pátria. Deste grupo contavam Nogueira da Gama, padre Viegas de Menezes, Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e Silva, Hipólito José da Costa, José Feliciano Fernandes Pinheiro, Vicente Seabra Silva Teles, José Ferreira da Silva, João Manso Pereira, Manoel Arruda Câmara e Manoel Rodrigues da Costa.

 O Arco do Cego foi responsável pela introdução da moderna tipografia em Portugal, tendo inclusive oficina de gravura com aprendizes e fundição de tipos em anexo. Um dos ilustres trabalhadores da editora foi o poeta Manoel Maria Barbosa Du Bocage. Extinta a tipografia do Arco do Cego, Veloso passa para a Imprensa Régia, até que as invasões napoleônicas o fazem retornar ao Brasil e desviam para a França as pranchas já prontas da Flora Fluminensis. Sua maior obra fica, então sem editar.

Após sua morte, ocorrida no Convento de Santo Antônio, no largo da Carioca, Rio de Janeiro, o Imperador D. Pedro I mandou editar em 1825 a Flora Fluminensis, impressa na Imprensa Régia e com litografias encomendadas em Paris. Os exemplares editados ficaram depositados na Academia de Belas Artes, onde foram quase totalmente destruídos pelos alunos daquela instituição. A coleção completa da Flora Fluminensis é hoje considerada uma raridade bibliográfica.

Quando se completam 200 anos do falecimento deste homem de excepcional espírito científico, a cidade de Tiradentes, que foi seu berço natal, através do Instituto Histórico Geográfico, o homenageia.


_________________
*Sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes


21.11.11

Carta de repúdio


Chancelaria da Comenda da Liberdade e Cidadania
Belo Horizonte - MG


Tiradentes, 14 de novembro de 2011.*

Prezado Senhor,

Venho por meio deste manifestar minha insatisfação e descaso com a Oficina de Teatro Entre & Vista, que há 20 anos representa a cidade de Tiradentes, em todos os eventos aqui promovidos.

Infelizmente, conforme convite que nos foi feito, comprovando-se com a Programação Oficial que consta no site oficial do evento, e, caso o convite não estivesse sido feito, ali não estaríamos, sentimo-nos humilhados perante ao público.

Eram cerca de cinqüenta Tiradentinos, dentre eles: todas as autoridades máximas deste município Prefeito, Vice-Prefeito, Presidente da Câmara, Vereadores, Pároco, agraciados e convidados que aguardavam ansiosos pela apresentação dos representantes de sua terra.

Em um primeiro momento, após a recepção hostil de uma senhora, que se dizia uma das responsáveis pela pauta, nos disse “....num é assim que funciona, num é chegar e apresentar, não... tem uma pauta... e não está na pauta”. Eu, Sr. Eros e o Sr Rafael (som) ficamos estarrecidos e tentamos contornar a desagradável situação.

Errar é humano. Persistir no erro é......extremamente desagradável. Fomos esquecidos durante todo o evento sob os olhares curiosos dos convidados e agraciados. Ficamos à mercê do sol escaldante e dos olhares ressabiados dos convidados que, no ano passado, por não ter havido as honras e pompas do corrente ano, foi um evento magnífico e bem focado: O Batizado do Herói.

Oficina de Teatro Entre & Vista, um bem cultural imaterial da cidade de Tiradentes abandonado próxima à cantina do evento e, onde, nem ao menos um salgadinho foi servido aos atores. É lamentável!

Indescritível também é o sentimento de frustração do Senhor Eros Miguel Conceição. Senhor de 72 anos. Sócio Fundador do IHGT (Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes), SAT (Sociedade Amigos de Tiradentes), CBVT (Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes), Coordenador da Oficina de teatro Entre & Vista, hoje, Ponto de Cultura Entre & Vista, responsável pelos projetos de restauração das Igrejas das Mercês, São Francisco e N. Sra. do Padre Gaspar, investimento de R$ 3,5 milhões oriundos do BNDES, passar por humilhante situação.

Este é o nosso sentimento. Sentimento de 15 pessoas que saíram de suas casas, no domingo, pela manhã, viajaram cerca de 25 km e foram esquecidas perante a um grupo seleto de autoridades, chancelers, intelectuais, artistas, dentre outros, e, até o presente momento, sem retratação alguma.

Sem mais para o momento, reitero meus protestos de estima e distinta consideração.

Cordialmente,


DIRETORIA
Oficina de Teatro Entre & Vista


________
*Carta publicada neste bl0g a pedido da diretoria da Oficina de Teatro Entre & Vista e também como afirmativa de repúdio dos sócios do IHGT com este acontecimento.

15.10.11

Matriz de Santo Antônio - Uma Visão Atual



Um antigo dito popular da cidade de Tiradentes, no século XIX, referia-se às três coisas mais importantes da cidade: A Matriz, O Chafariz e o Comendador Assis. Daí vê-se a importância conferida pela população a esta velha igreja, reconhecida como uma das mais belas e ricas de Minas Gerais.

Construída em taipa, em substituição á antiga capela de madeira, teve início em 1710, quando também se oficializou a Paróquia e se criou a Irmandade do Santíssimo Sacramento responsável pela empreitada da construção.

Entre a construção propriamente dita e a decoração transcorreram-se cerca de 40 anos. A igreja na sua imponência arquitetônica guarda um conjunto de talha do período barroco D. João representado pelos sete retábulos, coro, púlpitos, molduras dos óculos, sobreportas e as paredes da capela-mor com duas grandes telas representando a Santa Ceia e as Bodas de Caná. Grande parte desta decoração deve-se às oficinas dos entalhadores João Ferreira Sampaio e Pedro Monteiro de Souza, este natural da cidade de Braga. Completa os equipamentos religiosos um belo órgão fabricado em Portugal, instalado em caixa entalhada por Salvador de Oliveira e pintado por Manoel Victor de Jesus.

A riqueza da Matriz de Santo Antônio não se restringe a nave e capela mor mas estende-se aos cômodos laterais onde funcionavam as duas sacristias e consistórios das Irmandade sediadas no templo, decoradas com talhas e pinturas de gosto rococó. Ainda deve-se citar o mobiliário de época, a rica prataria e imaginária do templo.

Cem anos após o começo da obra foi refeito o frontispício, numa tentativa de “modernizar” o seu aspecto externo arcaico, tendo sido para isso encomendado um projeto ao Aleijadinho. É nesta época que é feita a portada de pedra sabão e as escadarias do adro em patamares com gradis de pedra. Foi nesta igreja que se casaram os pais do Tiradentes em 1738, onde também foram batizados Frei Veloso (1741) e José Basílio da Gama (1742).

A presente exposição comemora o terceiro centenário de inicio da obra e é constituída pela visão atual dos artistas que nasceram ou vivem em Tiradentes, sendo portanto diversas leituras sobre o mesmo tema. O Instituto Histórico e Geográfico agradece a todos os participantes do evento.

Olinto Rodrigues dos Santos Filho



ARTISTAS PARTICIPANTES:


Airton Ribeiro; Alderico Nascimento; Angela Nunes; Antônio Henrique Rohrmann; Beth Calvalcanti; Celestino; David Smyth; Deborah Engelender; Demóstenes Vargas Filho; Elvis Dias; Expedito Divino; Fátima Moura; Humberto Malaquias; João Batista Canto; Laura Perrella; Lyria Palombino; Luigi Frumenti; Luiz Cruz; Maria José Boaventura; Oliver; Riback; Robert Ballantyne; Ruth PerrellaTony de Castro; Vinícius Rosa Rios; Victor Reynaga.


20.1.11

Á confreira Geralda



O que passou talvez não se deixe passar pelos sentimentos de seus pares. Muitos dos que aqui estão foram seus acadêmicos, outros tantos, seus colegas na construção do saber coletivo e para outros tantos amigos, família.

De nossa parte. Aprendemos a ver em seu silêncio em sua serenidade a concordância ou o seu contrário quando de reuniões polêmicas que nossos pares aqui nesta sala votaram as posições enquanto grupo.

Como uma flecha, objetiva e coerente, expunha seu ponto de vista. Sempre em tom conciliador se permitia ao debate construtivo.

Das mais novas destes tempos como confreira do IHGT, mas nem por isso menos atuante. Assumiu para si diversas responsabilidades e caminhava para ver concretizado com o cimento de suas mãos grandes obras em nossa Tiradentes. Nossa secretária, integrante do grupo de trabalho dos projetos do BNDES que num porvir transformará nossa cidade.

É certo que seus familiares perderam uma esposa, uma mãe, uma avó. Mas sem egoísmo, também entendem que todos perderam a amiga, a colega, a professora.

Todos perdem com sua morte prematura. Todos. Mas como dizia já Séneca, “Os progressos obtidos por meio do ensino são lentos; já os obtidos por meio de exemplos são mais imediatos e eficazes”. Por certo sua vida é um exemplo a ser seguido, quer seja em família, quer seja como professora, que seja como cidadã e cabe a nós te-la como referência, não por que partiu, mas por que viveu uma vida exemplar e isso é o certo.


Tiradentes, 19 de janeiro de 11. Reunião solene do IHGT. (Carlos A Caprioglio, lido por Rogério Almeida)